Cédula Anarquista

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Link do Face, sorry.

Despachos da Muralha, episódio 1: Pasto e soja

– Querendo dizer – disse Maiara, apontando para o mapa – que esses reinos são todos uma fachada. Estão conjuminados.

– Estão em guerra, você quer dizer – disse o italiano. Tocou por um instante a ilha no centro do mapa, depois fez com que o dedo des­li­zasse do sul para o noroeste. – A Resi­dên­cia em Vazília jurou proteger os índios e outros guardiões da Muralha, mas é há trinta anos que o Império Gaúcho está invadindo e dila­pi­dando a Muralha com a coni­vên­cia da União.

– Que ninguém faz nada só comprova o que eu estou dizendo – disse Maiara, que estava nua para disfarçar o fato de que estava usando a ocasião para despejar uma enorme quan­ti­dade de infor­ma­ção. – Não se pro­nun­ciam nem os Estados de que se poderia esperar algum apoio, tipo o Serestão no nordeste ou o prin­ci­pado da Guanabara.

– Você acredita mesmo – o italiano passou o dedo pelas costas da mulher – que o Sacro­con­do­mí­nio está em con­ju­mi­nân­cia com o Império Gaúcho?

– Disso não tenho dúvida – ela disse. – Não entendo os detalhes mas tem de ser. Esta semana o cardeal paulista Voto­ran­tim e o imperador gaúcho se encon­tra­ram com a Resi­dên­cia em Vazília. Ofi­ci­al­mente foi um jogo amistoso, mas ninguém ignora que dis­cu­ti­ram modos de acelerar a tomada da Muralha.

Estavam os dois nus num terraço da favela do Vidigal, espar­ra­ma­dos em esteiras, lam­bu­za­dos de protetor e bebendo cai­pi­ri­nha. O italiano não tinha qualquer intenção de encurtar aquela conversa, por isso não é sempre que fazia questão de entender. Ele pegou e folheou o dossiê que ela tinha lhe passado.

– O cardeal Voto­ran­tim… Emílio Voto­ran­tim, certo? Da Federação das Indús­trias da Sacra Igreja Neoliberal?

– Ele mesmo.

– Mas não faz sentido – ele largou o dossiê e sem se levantar virou muito deli­be­ra­da­mente o corpo de modo a ficar de frente. O italiano era careca e atar­ra­cado, mas tinha também o seu público. – Vamos pensar no Império Gaúcho. Que armas eles estão usando?

– Os gaúchos só usam armas bio­ló­gi­cas – disse Maiara – Estão invadindo a Muralha com as mesmas táticas que usaram para tomar as porções do Mar Cerrado que cobriam, digamos, o Paraná. Shock and awe: pasto e soja.

– Se entendi direito os fanáticos neo­li­be­rais napal­mi­za­ram com pasto e soja todo o Mare Imbrium. Não existe mais.

– Certo – Ela indicou o ponto no o mapa. – O Mare Imbrium ou Mar das Chuvas aparece em alguns mapas que te mandei como Mar Cerrado. O bom­bar­deio de pasto e soja eliminou a vegetação nativa, que era espe­ci­a­li­zada em reter a água da chuva e abastecer os aquíferos em que mamam os rios.

– E com que consequências?

– A partir do centro o Mar das Chuvas ali­men­tava os rios do sul, do nordeste e de uma parte do norte. É simples: os rios e reser­va­tó­rios estão secando.

– É isso que não fecha – o italiano pôs-se de pé e passou a fazer o perímetro do terraço, como se caminhar o ajudasse a olhar de todos os ângulos o problema. – O cardeal Voto­ran­tim é um sujeito esperto. Ele não tem como não saber que a seca que atingiu o Sacro­con­do­mí­nio de São Paulo é só o começo das dores. Tendo em vista o que aconteceu com o Mare Imbrium, ele não teria motivo para ajudar os gaúchos a derrubar a Muralha… quem sabe com quais con­sequên­cias. Você é índia, jurou guardar a Muralha, sabe do que estou falando.

Ela olhou muito séria para dar a entender que sabia.

– Você teria razão, meu caro Massimo, se o cardeal tivesse de responder a alguém. A Sacra Igreja Neo­li­be­ral promove for­te­mente a separação entre Igreja e Estado, querendo dizer que os neo­li­be­rais conferem a si mesmos imunidade de qualquer res­pon­sa­bi­li­dade pública.

– Gaúchos e paulistas podem eliminar o Mar Cerrado e não têm de responder legal­mente por isso?

– Eles só estão pedindo que você respeite a sua fé – ela sentou-se e esvaziou o último copo de cai­pi­ri­nha. – E no caso do Mar das Chuvas tinham uma enorme vantagem estra­té­gica: o mar era sub­ter­râ­neo, invisível. O povo vê que a planura continua lá e acha que não se perdeu nada. Mesmo com a seca e a míngua dos rios, só vão fazer a conexão quando o cardeal já não estiver mais no poder. Mais uma das vantagens de não ter de responder a ninguém, muito menos ao futuro.

O italiano agachou-se ao lado da mulher e começou a espalhar sobre a sua esteira as foto­gra­fias que acom­pa­nha­vam a seção “A Muralha” do dossiê. As fotos alter­na­vam paraíso e inferno: matas exu­be­ran­tes e impe­ne­trá­veis ou espla­na­das cal­ci­na­das que evocavam Hiroshima. O homem não precisava de ajuda para entender quais eram as imagens mais recentes.

– Mas a Muralha é diferente, é muito visível – ele disse. – Veja essas fotos. Tem os vídeos no youtube. O des­flo­res­ta­mento e a invasão das terras indígenas eles não vão ter como esconder.

– Na capital eles tem um ditado – ela acariciou a barba dele. – “A sudoeste de Vazília, a civi­li­za­ção; a noroeste de Vazília, não há contravenção.”

– Contra a Muralha então todo jogo é limpo. Vale tudo.

– Obvi­a­mente foi para isso que Vazília foi cons­truída: não para puxar a civi­li­za­ção para o centro, mas para demarcar os limites da con­tra­ven­ção. Da boca para fora a Resi­dên­cia apoia os guardiões, mas ao mesmo tempo dá carta branca a gaúchos man­co­mu­na­dos com paulistanos.

– Querendo dizer que vocês índios vão ter de repelir sozinhos o ataque à Muralha.

– Não vamos resistir por muito tempo, Massimo. A Resi­dên­cia está cons­pi­rando esta semana de modo a acelerar a liberação de licenças ambientais.

– Que são licenças para destruir o ambiente, ao contrário do que se poderia concluir do nome. Ah, voi vasiliani.

– O governo prefere dizer, como os gaúchos urra­lis­tas, que está liberando o meio ambiente para ati­vi­da­des produtivas.

O italiano deixou-se sentar, derrotado, e ficou pro­cu­rando entre os copos cubos de gelo que pudesse mastigar. Em seguida fizeram amor por duas ou três horas sobre as esteiras, debaixo do sol da Guanabara e na altura do olhar dos vizinhos.

– Então é isso – Massimo disse depois, enquanto Maiara aper­fei­ço­ava os círculos dos pelos do peito dele, – você só queria me usar.

– Eu precisava de alguém de fora – ela confessou, sem paixão e sem culpa – de modo a reca­pi­tu­lar os fatos em benefício de alguém que estivesse se ligando na história neste momento. É só um recurso narrativo, nada pessoal.

– Maddona, é hora de mudar isso – o italiano pôs-se de pé ime­di­a­ta­mente e, muito a con­tra­gosto, começou a se vestir. – Esta história já tem coad­ju­van­tes demais. Você sabe o que disse Mazzini? Dio è Dio, e l’umanità è il suo Profeta. Se Garibaldi lutou as lutas do Brasil eu também posso. Eu também devo.

– Não sei se é um boa com­pa­ra­ção – a índia começou a recolher as esteiras e os copos, – tendo em vista que Garibaldi lutou a favor dos gaúchos.

O homem parou de se vestir por um momento para enfatizar o seu protesto:

– Naquela época os gaúchos lutavam contra o império. Agora eles são o império.

– E qual é o seu plano? – perguntou a índia. O italiano já estava calçando os sapatos e Maiara ainda não tinha começado a se vestir. Não tinha qualquer incli­na­ção de deixar-se resgatar pelo Grande Salvador Branco.

– Vocês são índios, vocês são con­tra­cul­tura, vocês andam nus – ele disse, tocando-lhe o braço como que para deixar-lhe uma divisa. – É impos­sí­vel que não tenham aliados: está na hora de forjar alianças.

– Temos mais do que isso – ela achou que era hora de revelar, e baixou a voz. – A carai­ba­gem tem herdeiros legítimos, Massimo. E dois deles estão aqui mesmo no Rio de Janeiro.

– Ma che cazzo stai –

Nessa hora um tiro atra­ves­sou o italiano.

– De novo – disse Maiara. Abaixando-se para desviar-se dos outros disparos, a índia arrastou o corpo inerte do homem para dentro da casa, e em seguida tomou-lhe o pulso para deter­mi­nar se ele era coad­ju­vante ou pro­ta­go­nista. Passados alguns segundos, Maiara não sabia dizer se estava aliviada ou não.

– Pro­ta­go­nista – ela disse.

continua…

fonte: http://www.baciadasalmas.com/pasto-e-soja/

Cineclube Terra Vermelha, Pipa, Abya Yala

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Cineclube sexta na praça! durante a Feira de Orânicos e Artesanais da Praia da Pipa

21 de agosto

18h Cumade Fulozinha 3

Produção caseira Pernambucana que resgata histórias da Mãe da Mata, protetora das Florestas. É amiga das avós, as ensinam a fumar, dão surra de urtiga naqueles que desmatam para o gado.

Estamos coletando histórias da Cumade para uma produção própria, venha contar a sua!

19:30 Tupinambá- O Retorno da Terra

Documentário que retrata a luta dxs indíxs Tupinambá na Serra do Padeiro, Bahia e seu processo de retomada de terras.

14 de agosto

18h Cumade Fulozinha 2

Produção caseira Pernambucana que resgata histórias da Mãe da Mata, protetora das Florestas. É amiga das avós, as ensinam a fumar, dão surra de urtiga naqueles que desmatam para o gado.

Estamos coletando histórias da Cumade para uma produção própria, venha contar a sua!

19:30 Belo Monte, Anúncio de uma guerra

Documentário que retrata a Amazônia hoje, suas lutas e guerreirxs

Caboclas Mc’s

Olá imprensa natalense, sou a Revolta do Busão, prazer em conhecê-la

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Sabe aquele conhecido, do qual se tem pouca afinidade, que fingimos não ver quando o reencontramos em algum lugar? Sei que assim você nos vê, não há mal nisso, entretanto, a boa educação nos obriga a quando formos dizer algo sobre essa pessoa, na frente dela ou para outros, que a chamemos pelo nome, sei que ainda lembra do meu, mas insisto em me apresentar.Eu existo desde 2012, vocês mesmo já sabem, quando ainda me chamavam pelo nome. Vocês podem acessar o verbete “Protestos no Brasil em 2013” da Wikipedia, em Antecedentes, e verá que há o seguinte comentário sobre mim:

Em 27 de agosto de 2012 a prefeitura de Natal (RN) anunciou um aumento de R$0,20 na passagem de ônibus. Após o anúncio, houve uma série de manifestações organizadas pelo movimento social autodenominado “Revolta do Busão” (nas redes sociais: #RevoltadoBusão). A primeira manifestação ocorreu dois dias depois, reuniu cerca de duas mil pessoas e foi duramente reprimida pela polícia militar. No dia 30 de agosto de 2012 o protesto voltou com mais força, mas sem confrontos com a polícia militar. Com a pressão popular, no dia 6 de setembro de 2012 os vereadores revogaram o aumento da tarifa de ônibus.

Mas na verdade descendo do #ForaMicarla, que ocupou a Câmara municipal em 2011. Graças a mim a passagem em Natal ficou congelada por anos, fui o arquétipo dos protestos de junho de 2013 no Brasil. Nem é preciso alegar que o verbete carece de fontes, já que apenas nesse trecho está indexado seis links de notícias veiculadas por vocês próprios na época. Quando o verbete trata da importância do movimento para os protestos de junho de 2013 no Brasil há inúmeros outros.

Óbvio que há exceções na cobertura dos mais recentes atos, temos o exemplo da Mídia Infiltrada que transmite ao vivo os atos e conversa com as pessoas em seu Twitcast http://us.twitcasting.tv/tv_infiltrada. Além disso, não há melhor veículo para se empreender essa crítica do que na Carta Potiguar, logo, o incluo nessa lista, mas são aos grandes que me refiro. Faço uma ressalva ao Novo Jornal, que apesar do histórico de coberturas equivocadas em anos anteriores, e de não ser grande, foi o único veículo com alguma expressão a me chamar pelo nome. Apesar de consultar em sua reportagem apenas representantes de entidades estudantis, ignorando a maioria das pessoas que me compõem.

Ora, um jornalismo que apenas observa, não apura, não pode ser um bom jornalismo.  A cobertura jornalística de uma erupção vulcânica se faz com uma câmera e um repórter, com o fato jornalístico de paisagem ao fundo; mas não quando o fato envolve pessoas, não é gado, sabem falar, responder. Quem são? Do que se alimentam? Como vivem? Está tudo ali, ao alcance de uma pergunta.

Onde estavam que não entre nós quando o lamentável ‘’’’artefato””  foi atirado no carro da mulher , para constatar que tratou-se de um “traque” de São João, do tipo “pirulito” ou “peido de véia”, não a dinamite cercada de pregos apresentada pela polícia, cadê as imagens? Os relatos?

Esqueçamos isso, vamos começar de novo, me chamo Revolta do Busão, sou formado por uma maioria de estudantes universitários, composto por inúmeros grupos e subgrupos, os mais diversos que você possa imaginar, por isso, não há liderança entre nós, convencer a todos é muito difícil. Sim, há entidades partidárias, predominantemente a ANEL, UNE, JPT, que de fato quase sempre ganham as plenárias, muitas vezes por falta de bom senso das outras propostas formuladas, o que não significa que tenham total anuência perante os demais. Alguns estão ali para falar com vocês, muitos realmente acreditam na causa do transporte público, fazem política, antes na rua do que nos gabinetes. Mas ainda assim, eles não são a maioria.  Há anarquistas, todo um ramo de libertários, pintas, autônomos, mídia livristas, fotógrafos, e outras definições que não caberiam aqui.

Logo, você meu senhor, ou minha senhora, que acha melhor se indignar com a inflação, pode comparecer na assembleia e discutir porque acha que um movimento chamado Revolta do Busão, que defende a melhoria do transporte público há quase três anos, deve protestar contra a Petrobras, o preço da gasolina e o aumento da energia, se seu encaminhamento for aprovado pela maioria, será adotado. Infelizmente não aceitam sugestões pelo Facebook. Pode até ir com camisa da seleção.

Já você, cara imprensa, pode começar a nos chamar pelo nome, ou arcar com a qualidade do jornalismo que produz.

fonte: http://www.cartapotiguar.com.br/2015/07/28/ola-imprensa-natalense-sou-a-revolta-do-busao-prazer-em-conhece-la/

Mais infos Revolta do Busão http://revoltadobusaorn.blogspot.com.br/ + https://twitter.com/Revoltadobusao

Nos muros de Pipa, frases despertam reflexão

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No ano passado toda a população do vilarejo chocou-se com a quantidade de árvores tombadas para a vinda de mais um novo megacondomínio em Pipa. Eram quilômetros quadrados de coqueiros, cajueiros, mangabas, mangueiras e algumas árvores nativas que davam frutos abundantes para toda a região. Um ano depois, com os requintes cruéis de usar os coqueiros para outdoors do futuro emprendimento em Photoshop e colocar a frase “Quanto vale o seu sonho?” o local virou mais um elefante branco de Pipa. As frases que apareceram na manhã de hoje são mais do que bem-vindas e fazem refletir sobre o passado, presente e futuro que queremos aqui!

especulação mata

morreram para servir de outdoor

 

 

 

 

 

decrescimento ou barbárie

grafiti na pipa

quanto vale o seu sonho?

Roda de capoeira angola na praia da pipa – Venha comemorar!

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Flor do Catu: território e resistência indígena no Rio Grande do Norte

Resgate de uma ação que se deu no Vale do Catu ~ Flor do Catu

 A proposta de se realizar uma Flor da Palavra na comunidade do Catu partiu de um desejo individual que foi sendo coletivizado ao longo de 2 meses de visitas, contratempos, pesquisas, leituras em bibliotecas públicas, internet, vídeos e muitos sonhos.

Nesta busca, descobrimos que o estado do Rio Grande do Norte não possui comunidades indígenas reconhecidas. Isto porque, nos revelou esse misturar-se com nossas origens ancestrais, os indíos e índias da região sofreram com mais virulidade a pressão da miscigenação cultural e limpeza étnica, assim como o saqueio de terras, aldeamento e perseguição religiosa e linguística, e isso, desde os primórdios da colonização brasileira. Região central de uma extensa área indígena rebelde, estratégica geograficamente, que servia de refúgio para muitas das tribos que iam contra o sistema mercantilista – Cariris, Janduís, levantes indígenas importantes no período colonial, como a Guerra dos Bárbaros ou confederação dos Cariris ? tornaram-se alvo de grande repressão militar por parte da ordem vigente: constantes levantes e alianças entre colonizadores e índios e sujas conspirações entre as diferentes tribos, que levaram à quase total dizimação dxs índígenas da região. Um episódio marcante dessa história apagada foi o Massacre de Cunhaú, em 1654, onde por incitação de holandeses, índios do sertão mataram centenas de parentes ajoelhados em plena missa, portuguesa é claro.

Estabelecidos os engenhos de cana, modernizados em grandes usinas de ?bio? combustíveis, a dominação política consolidou-se com a chegada da base aérea estadunidense na cidade de Parnamirim, próximo a Natal, no ano de 1941 sob um acordo de ?defesa mútua? imposto pelos Estados Unidos junto ao rompimento de relações diplomáticas com a Alemanha, Itália e Japão (janeiro de 1942) e, por fim, a declaração de guerra aos países do Eixo. Identificado nos mapas estratégicos estadunidenses como Trampoline of Victory, Parnamirim Field foi a base de um triângulo que apontava para o ?teatro de operações? (o norte da África e o sul da Europa), agravando ainda mais a exploração da natureza e da humanidade local. Literalmente, prostituiram as descendentes potiguare/as.

Após mais de 100 anos de silêncio oficial, nos quais estas populações foram dadas como extintas, desde junho de 2005, diferentes grupos étnicos reivindicam publicamente sua identidade indígena em território potiguar: Eleotério do Catu de Canguaretama, Mendonça do Amarelão de João Câmara; Caboclos de Açu; Comunidade de Banguê e Trapiá, também em Açu; Comunidade de Sagi, cujos antecessores Potiguara vieram da Baía da Traição na Paraíba. Apesar do etnocídio, ou da tática do desaparecimento para não serem mortxs, configuram culturas altamente resistentes e em processo de constante recriação.

O nordeste abriga hoje 24% dos povos indígenas brasileiros. A comunidade do Vale do Catu, em Canguaretama, onde habitam cerca de 110 famílias, vêm nestes últimos 4 anos desenvolvendo atividades de fortalecimento de sua identidade indígena como aulas de tupi, peças sobre histórias da mata e espiritualidade (jurema), danças (toré) e demais articulações com grupos de antropólogos da UFRN, parentes potiguaras próximos (da Baía da Traição na Paraíba) assim como a sociedade como um todo. Segundo Luis, professor do local, avançam a discussão para além da identidade, reinvidicam igualmente territórios. “Índio não é sem terra, índio tem terra” esbraveja Vando, um dos moradores da comunidade.

Superando a falta de água encanada – que chegou há apenas 3 anos – o esgoto a céu aberto e um rio perfeitamente navegável até o mar totalmente destruído por produtos tóxicos oriundos de duas das mais poderosas usinas de cana-de-açúcar do estado, uma delas a multinacional francesa Louis Dreyfus Commodities Bioenergia, que abrange além de sua central de atividades o arrendamento de terras de pelo menos 3 municípios do estado, pertencentes ao antigo proprietário Grupo Tavares de Melo. Campos inteiros contaminados pela peste branca: a cobiça do vil metal hoje transmutada em quilômetros de cana, sorgo e girassóis para combustíveis. Ao lado e em todo o entorno, centenas de hectares de desertos verdes desenham os horizontes planetários que revelam a desumanização capitalista. Os dentes podres dos comedores de açúcar europeu, os carros dos estadunidences e japoneses, o combustível de toda a engrenagem perversa.

Uma Flor da Palavra desabrocha na comunidade do Catu através de reflexões sobre a cultura, história e fazeres indígenas latino americanos, em oficinas, vivências, artes e técnicas livres. A proposta é a invenção de laços de comunicação e solidariedade entre a comunidade e o resto do planeta. Um desses laços solidários é com o Acampamento do MST José Martí, há 4 anos na beira da BR-101, no mesmo município, Canguaretama, também sendo sufocados pelo agronegócio predatório.

Catu Resiste!

Flor da Palavra na comunidade do Vale do catu, Canguaretama, Rio grande do Norte, 27 e 28 de agosto de 2009, Escola Municipal João Lino da Silva, a partir das 9 da manhã

um mergulho profundo na luta indígena potiguar. nadar na própria história, à procura de uma realidade mais condizente com o que sentimos e vemos. não estamos cegxs, sentimos o cheiro tóxico, as fumaças. bebemos água contaminada. tememos pela superficialidade ubícua que impõe às nossas filhas. as condições sub-humanas que nossos homens têm que se submeter para alimentar a sede dos automóveis daqueles que nos oprimem e nos alienam.

historicamente discriminados pelo estado, mortxs em lutas cruentas, politicamente engolidxs pelo capitalismo global, literalmente exterminadxs de suas culturas, há poucos anos diferentes comunidades do rio grande do norte vêm procurando e sendo procuradas por agentes do estado em busca de suas raízes.

o que para uns/umas significa redescobrir a história de antepassados, ter orgulho de ser o fruto vivo das sequelas de 509 anos de exploração, para outrxs pode ser uma chance de obter mais fundos para suas pesquisas, mais mão-de-obra para suas tecnocracias, ou simplemente mais um nome no relatório, mais um cargo, mais uma secretaria.

aqui neste relato questionamos antes de tudo o tipo de realidade em que estas comunidades estão sendo inseridas, replicando quais marcos legais? quais processos de legitimação de políticas públicas planejadas para sua contínua tutelagem? uma vez cultural agora econômica, perpetuamente territorial. o Estatuto dos Povos Indígenas por exemplo, está parado há 16 anos por falta de vontade política do governo federal, mas o que não faltam são propostas de desregulamentação de terras e manejo “sustentável” de recursos hídricos e de minérios em territórios indígenas. o atual estatuto é de 1973, defasado em relação à Constituição Federal de 1988 e à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). neste estatuto desumano (de 1973 http://www.funai.gov.br/quem/legislacao/estatuto_indio.html
estatuto de 2009 http://www.socioambiental.org/banco_imagens/pdfs/EstatutodosPovosIndigen…) estão alguns artigos como o II da Assistência ou Tutela que dispõe sobre a nulidade de atos praticados sem a intermediação do estado ou o capítulo I do título II Das Terras dos Índios onde se legaliza a intervenção do estado em áreas indígenas para a realização de obras públicas que interessem ao desenvolvimento nacional, para exploração de riquezas do subsolo de relevante interesse para a segurança ou a simples repressão física de qualquer tipo de desavença ou descontentamento das comunidades tuteladas.

mas vamos começar do início…

há dois meses atrás chegamos na comunidade do vale do catu, no intuito de contribuir com a luta pelo reconhecimento indígena e pela retomada de seus territórios. durante esse período convivemos e conhecemos inúmeras pessoas da comunidade, onde aconteceram conversas, práticas de plantio, troca de sementes, denúncias da comunidade sobre pesquisadores, antropólogos e estudantes que chegam até elxs no intuito de escreverem suas teses de mestrado, doutorado e que nada contribuem com as suas realidades, denúncias sobre a qualidade da água e do solo, que sofrem constantemente despejos de vinhoto, agrotóxicos e fertilizantes oriundos das plantações de cana-de-açúcar da megacorporação, hoje francesa, Louis Dreyfuss Commodities Bioenergy. percebemos durante este período a desinformação das pessoas quanto aos trâmites pelo reconhecimento indígena, que encontra-se sendo discutido por lideranças elegidas pelo estado como presidentes de associações e diretorias de escolas, bem como a segregação da própria comunidade com a criação de duas associações: uma representada pelo município de canguaretama e outra pelo município de goianinha – administrações que atualmente passam por um processo de disputa pelos “impostos” pagos pela megacorporação canavieira.

dia 27 de agosto

lua minguante, ótimo para o plantio de raízes, tudo que dá para baixo da terra.

começamos o dia com as crianças da escola municipal joão lino da silva mostrando uma série de fotos que tratam da realidade do movimento zapatista. seguiu uma pequena discussão sobre os “gorros pretos” e a discriminação constante sofrida pelxs indígenas mexicanos, sua luta por terra e liberdade, e que na busca por superá-las, protegem sua anonimidade. conversas com professorxs da escola sobre ervas medicinais, conhecimentos tradicionais versus corporações da industria farmacêutica. com a chegada de luiz e vando iniciou-se o tema da luta indígena no rio grande do norte, que tem se dado em ações de diálogo com o estado – como a ocupação da assembléia legislativa em 2005, quando se declararam publicamente indígenas – e ações locais como o ensino da língua tupi e do toré, junto à mitologias ancestrais como a caboclinha da jurema e o índio bravo Canindé. falamos também sobre como o processo de reconhecimento não acontece de forma homogênea na comunidade e de como problemas graves como a contaminação do solo, da água, a degradação do ecossistema como um todo, fruto da ocupação ilegal de suas terras, e que curiosamente, não vêm sendo foco nas discussões. segundo a bisavó de vando, que nasceu no catu, possuem pelo menos 300 anos de história nesta terra. seguiu-se por fim uma apresentação de toré organizada pelo professor luiz, uma pequena parcela do trabalho de resgate cultural realizado por ele, envolvendo adolescentes e crianças de todas as idades, e que segundo depoimento pessoal do mesmo, aceitou-se índio ao ser discriminado na igreja evangélica.

dia 28 de agosto

o mais emblemático das lutas contemporâneas pelas quais essas comunidades passam.

totalmente mergulhadas na lógica “democrática” do “estado de direitos”, já passaram pelo processo de domesticação cultural e agora sofrem um re-aparelhamento do estado através de uma série de estratégias como a criação de cargos para lideranças – “12 escolhidos” como delegados numa comunidade de 110 famílias – enfraquecendo ainda mais o seu processo de reconhecimento identitário, e que se arrasta há passos lentos.

presenciamos a visita de inúmerxs agentes do estado, a nutricionista responsável pela merenda escolar – alimento que percorre quilômetros, e que poderia ser produzido localmente, pois a comunidade é reconhecida por sua agricultura, inclusive orgânica – merenda esta que não contém nenhum tipo de frutas ou saladas. duas representantes, Lígia e Jussara, da emater – orgão do estado cuja missão é “contribuir para a promoção do agronegócio” ( http://www.emater.rn.gov.br/missao.asp), e que realizaram cursos de culinária de bolo de batata e de mandioca sob influência do “novo” mercado de turismo exótico e que ao serem questionadas sobre uma possível análise físico-química da água e solo afirmaram que a mesma já tinha sido feita, mas não de forma adequada, deixando claro que o interesse não é a favor da comunidade e sim da especulação, além de não dialogarem com a comunidade para saber de suas reais necessidades, desejos e demandas. as quais descobrimos aos montes, em bem pouco tempo.

a chegada da antropóloga da ufrn, jussara galhardo, integrante do grupo paraupaba e da representante da secretaria de educação gorete, com 3 horas de atraso, no carro do governo do estado do rio grande do norte, para uma reunião preparatória para a primeira assembléia indígena do estado foi inesquecível. não podemos deixar de mencionar a lembrança que tivemos da boneca barbie, epítome da erotização e do biopoder que a sociedade capitalista impõe às mulheres, e que indicava o discurso por vir: a assembléia gerida por seu grupo Paraupaba, ligado à UFRN e financiada pela FUNAI já tinham garantido e estavam em processo de licitação o transporte, hotel e alimentação dos 12 delegados de cada comunidade indígena. em nenhum momento foi citado os custos de tal encontro, ou discutido a possibilidade deste ser feito em alguma das próprias comunidades indígenas. o que poderia contribuir para sua autonomia material, e uma participação realmente legítima da comunidade – já que lá só haviam 8 pessoas. além da própria gestão do encontro, que não valorizou pessoas, vozes, idéias oriundas da própria comunidade, a participação do povoado do catu foi simplesmente para legitimar uma pauta pré-estabelecida de assuntos pré-definidos: identidade, território, saúde e educação. outra entidade envolvida na gestão do projeto é a Apoinme que uma breve pesquisa na internet revelou ser financiada por diversos orgãos de caridade estadunidenses, como a Heifer, que está apropriando da proposta da agroecologia para “transferir a tecnologia” de confinamento e criação de animais para abate e leite – encontramos inclusive denuncias de que enviavam animais de produção de leite para locais onde as pessoas tinham um altíssimo nível de sensibilidade à lactose. vale lembrar que a o aprisionamento e confinamento de animais nunca foi uma prática indígena.

com relação a identidade, o que realmente vem acontecendo é o remanescente indígena ter que comprovar através de testes sanguíneos sua descendência, tendo suas amostras de sangue apropriadas pelas corporações de biotecnologia e indústria farmacêutica, aproveitando-se aí de sua variabilidade genética, além de frear o processo de emancipação política e territorial das comunidades indígenas ao priorizar uma “união genética” sem considerar as enfermidades acumuladas durante todo o período de destruição de suas culturas. em momento algum foi negado a necessidade de reconhecimento identitário, o que de fato foi questionado é que o reconhecimento indígena já ocorreu na comunidade do catu assim como muitas outros povoados, pois eles mesmos se reconheceram. então porque o estado não aceita isso? por que criar assembléias, secretarias, obstáculos cada vez maiores com cada vez menos pessoas para ao fim nem sequer ouvirem as suas necessidades, como testemunhamos? Ignorando os diversos protestos indígenas contra a FUNAI e FUNASA.

sem questionar o que de fato vem acontecendo em relação à educação. quem mais senão a própria UFRN e FUNAI poderiam levar adiante a implementação da lei que institui o ensino da cultura afro e indígena nas escolas públicas brasileiras com a produção de material didático, áudiovisual, reconstrução coletiva de histórias propositalmente esquecidas?

//uma continuação da dominação histórica que os povos ancestrais de nosso continente latino americano sofrem até hoje.//

quando questionadas sobre a efetividade de tal assembléia, e a luta parcial que o reconhecimento indígena acaba por promover, destacado das realidades políticas, econômicas e culturais em que estas sociedades estão inseridas nos dias de hoje, as representantes dos representados propuseram a nossa exclusão da reunião, o que foi negado pela maioria dos participantes. seguiram liderando-a (de 2 horas jussara galhardo falou pelo menos 1) propondo que todxs concordassem com a exposição feita por ela – conquanto que nós (rede flor da palavra) não falássemos. uma prática fascista que não contempla o consenso. nem todxs da comunidade foram ouvidxs, e foi com impaciência que as “loiras” ouviram uma senhora de idade que chegou atrasada e que trouxe uma questão muito importante e que sequer foi analisada e muito menos levada em consideração: de como o estilo de vida das mulheres com o cuidado da casa e dos filhos está muito distante do modelo eleito pelo estado para a dominação, opa.. representação – delegadxs enfurnados em salas com ar-condicionado e hotéis com frigobar.

através da eleição de representantes, criação de associações, uma futura secretaria já sendo discutida, quando sabemos dos inúmeros casos de corrupção, biopirataria, suicídio e morte entre indígenas ( http://diplo.uol.com.br/2008-02,a2168), orgãos “indigenistas” que nunca foram geridos por índixs, na contramão de uma construção realmente participativa, de diálogos e de cosmovisões, promovem um processo de “escolhas” quando na verdade prevalecem os mesmos mecanismos de sempre: estado contra a sociedade. pessoas alienadas. não há, portanto, a valorização de vozes e idéias da comunidade do vale do catu.

outra situação curiosa ocorrida durante o encontro e que para uma melhor análise vale um recuo na história do RN para citarmos o mais conhecido herói indígena potiguar, felipe camarão, catequizado pela cultura jesuítica e que auxiliou no massacre de seus conterrâneos junto à coroa holandesa. ainda hoje aliciados pelo estado, como valda, diretora da escola e presidente da associação de moradores do catu de canguaretama que afirmou que podia sim representar toda a comunidade e que sua decisão valia por todxs, bem como wellington presidente da associação de moradores do catu de goianinha que disse que podia contar na mão o número de habitantes de sua região e que propôs um novo encontro, com mais legitimidade, mediante a mobilização de toda a comunidade. a sugestão do compa ruiter de sair para a comunidade naquele mesmo momento para uma consulta popular não foi levada em consideração.

avaliamos a flor do catu como um momento muito importante na história da comunidade. um momento em que a américa latina ebule na luta por terra, liberdade, dignidade. um momento emancipatório de reafirmação indígena, em que todos somos parte dessa luta, protagonistas de uma história corrompida e mascarada. somos vozes que se unem para resistir ao neocolonialismo, a forma mais perversa de dominação, que manipula as mentes, corpos e espíritos.

não aceitaremos a recolonização da américa latina e interviremos sim! pois somos parte disso, somos resistência! “aqui o povo manda e o governo obedece”. esse é o lema zapatisma que carregamos em nossos corações e ações. à nossa luta unem-se irmãos e irmãs, parentes das periferias de todas as cidades brasileiras, expulsos de seus territórios originários.

compartilhamos por fim das palavras de pessoas da comunidade que participaram da reunião:

“(…) a reunião foi proveitosa deu para perceber a intenção de muita gente que convive conosco. É assim que tem que ser as vezes devemos desafiar as pessoas para que elas mostrem seu verdadeiro carater. Precisamos do apoio de vocês para derrubar outras mascaras que trabalham em nome da política partidaria.”

“(…) é por causa desse tipo de coisa que não participo das reuniões, pois não consigo entender nada e nunca chegam a conclusão alguma.”

convocamos todxs a particarem da I Assembléia indígena do rio grande do norte, a ser realizada em outubro de 2009 em local e data a ser definido. levem seus passa-montanhas!

setembro de 2009
tatiana e ruiter
flor da palavra – rio grande do norte
http://flordapalavra.org
http://baobavoador.midiatatica.info

http://baobavoador.noblogs.org/post/2011/03/05/flor-do-catu/

 

Encontro Flor da Palavra no Vale do Catu

http://www.midiaindependente.org/pt/red/2009/08/453002.shtml

Cartas de indígenas potiguaras de las Guerras Holandesas en el Brasil (1645-1646)

As cartas são as mais antigas da história da colonização. Revelam o jogo cruzado que faziam Portugueses e Holandeses para colocarem os indígenas uns contra os outros.

http://corpusarchivos.revues.org/368#tocto1n4

Resgatando suas origens, os “caboclos” indígenas Eleotérios enfrentam preconceitos e a apropriação açucareira sobre seu território tradicional

Estado: Rio Grande do Norte,Paraíba
Fale conosco Município: João Câmara
Outros links úteis Município(s) atingidos: Açu, João Câmara, Canguaretama, Goianinha
População atingida: Povos indígenas
Danos causados: Desnutrição, Falta de atendimento médico,

As famílias dos “Eleotérios”, são na realidade uma comunidade indígena recentemente “ressurgida” na microrregião litorânea sul do Rio Grande do Norte, mais especificamente no lugar conhecido como Catu, localizado a aproximadamente 79 km de Natal. Os Eleotérios reconstruíram sua vida nas terras do Catu a partir dos meados do século XIX, quando, um de seus antepassados, Antônio Eleotério Soares, chegou no local, oriundo de Rio Tinto (Paraíba).

As famílias Eleotérios estiveram articuladas ao processo processo produtivo da borracha da mangabeira e agora enfrentam a apropriação territorial por usinas de Açúcar e o preconceito cultural que não reconhece os direitos de um povo indígena estabelecido na região há mais de um século e meio.

Contexto ampliado:
O Rio Grande do Norte é um dos poucos estados em que a presença indígena foi por mais tempo
desconsiderada. Desde meados do século XIX, os índios têm sido vistos como totalmente integrados e assimilados à sociedade potiguar. No máximo, a qualificação como “caboclo” assinalaria um aspecto diferencial, reportando à origem indígena dos assim denominados, mas sem primar, contudo, pela autenticidade ou “pureza” dessa boa parcela da população. A historiografia potiguar reforçou longamente essa perspectiva, disseminada através de livros didáticos ou na literatura voltada ao entendimento da formação sócio-cultural do Estado.
O Catu encontra-se nas bordas entre os municípios de Canguaretama e Goianinha. Os dois municípios têm uma economia voltada historicamente ao plantio extensivo da cana de açúcar. Além disso, investimentos em fazendas de carcinicultura (criação de camarões em cativeiro) passaram a se desenvolver a partir da década de 1990. O fluxo turístico alcança igualmente a região. Desde o final do século XIX até o início do século XX, a região sul do Rio Grande do Norte passou por um período de expansão econômica, baseada no extrativismo vegetal. Coletou-se, por muito tempo, o látex da mangabeira, cujo líquido, transformado
em borracha, teve grande importância como produto de exportação.

A partir de relatos orais, a antropóloga Cláudia Silva (2007) constatou que o extrativismo no Catu e a extração de madeira foram algumas das formas através das quais os Eleotérios se inseriram nas relações sociais mais amplas, articulando-se à “esfera de produção e de abastecimento coletivo enquanto fornecedores, junto de atravessadores e outros atores sociais que controlavam a terra e os recursos materiais”. A partir da década de 1970, as áreas tradicionalmente utilizadas pelos Eleotérios passaram a ser paulatinamente registradas e ocupadas pelas usinas e o cultivo extensivo da cana-de-açúcar, com o
emprego de serviços de segurança, o que torna ainda mais conflituosa a situação social e ambiental na região (Cláudia Silva, 2007). Uma grande empresa agroindustrial, a Usina Estivas, passou a controlar grande parte das terras de toda da região sul do Estado, inclusive nas áreas do Catu, restringindo o acesso de seus moradores às matas onde habituaram-se a fazer a extração do látex da mangabeira. Na década de 1990, o desmatamento de toda a região passou a ser mais noticiado publicamente. Isso gerou a intervenção maior de agências como o Idema – o Instituto (Estadual) de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente – na região e teve implicações diretas para os moradores do Catu (Silva,
ibid).

Com o decreto No 14.369, de 22 de março de 1999, foi estabelecida a Área de Proteção Ambiental (APA) denominada Bonfim-Guaraíras com 442 km2. A área inclui trechos dos municípios de Goianinha, Nísia Floresta, Tibau do Sul, Arez, Senador Georgino Avelino e São José de Mipibu. A APA Bonfim-Guaraíras inclui terras habitadas por diversas populações, tal como a comunidade do Catu, incluindo as famílias Eleotérios, que passaram a se mobilizar em termos políticos a partir de um recorte étnico na década 2000. Nos pequenos trechos de mata virgem que ainda restam, os chamados “tabuleiros”, os Eleotérios usufruem do acesso aos recursos naturais.

A questão indígena é ainda pouco entendida na região, que reproduz as manifestações de preconceito e discriminação correntes em várias regiões brasileiras. Atualmente, comunidades indígenas vêm reivindicando direitos específicos no Rio Grande do Norte. Isso deve ser articulado aos processos mais gerais de mobilização étnica e política de grupos e povos indígenas, supostamente desaparecidos ou extintos, sobretudo no Nordeste do Brasil. O fenômeno da chamada “emergência étnica” ou da “etnogênese” já é amplamente conhecido em estados como o Ceará e Pernambuco. Esses processos de mobilização política enquadram-se às modificações geradas a partir da Constituição de 1988. Por outro lado, a atuação de agentes indigenistas diversos, sejam eles ligados a setores da Igreja Católica como a
movimentos sociais e ongs, além das universidades, tem possibilitado a construção de parcerias e intermediações de diversas ordens em contextos locais.
Em diversos momentos da década de 2000, diferentes comunidades indígenas têm reivindicado
publicamente sua especificidade étnica no Rio Grande do Norte. Os casos dos Eleotério do Catu, dos Mendonça do Amarelão do município de João Câmara, dos Caboclos de Açu, da comunidade de Banguê e Trapiá, também em Açu, ou da Comunidade de Sagi, cujos antecessores Potiguara vieram da Baía da Traição, na Paraíba, são exemplos desse novo contexto estadual e regional.

Desde 2005, audiências públicas têm sido realizadas com o pretexto de sensibilizar as autoridades governamentais para a questão indígena no Rio Grande do Norte. Como a atuação da Fundação Nacional do Índio (Funai) é quase inexistente no Estado e a construção de um movimento indígena organizado ainda está por se consolidar, até mesmo em relação a entidades como a Articulação de Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), pode-se dizer que as reivindicações indígenas do Rio Grande do Norte têm muito a avançar como expressão de uma força política. O ativismo indigenista e a busca de sensibilização pública no Estado centram-se, sobretudo, na atuação do Grupo Paraupaba e da Fundação José Augusto. Nos últimos anos, contudo, esforços têm sido
feitos para articular os setores e autoridades governamentais municipais e estaduais para as políticas públicas voltadas nacionalmente para a questão indígena (sobretudo saúde e educação). Audiências públicas foram realizadas, envolvendo políticos estaduais, setores do movimento social, a UFRN, a Apoinme e as comunidades indígenas do Estado para sensibilizar a opinião pública e viabilizar intervenções governamentais mais decisivas para reverter o quadro de invisibilidade e precariedade de direitos. Até o momento, pouco mudou ou se conquistou a fim de mudar a situação atual das comunidades indígenas. Além da ausência da Funai, os problemas decorrentes da falta de compreensão sobre a temática indígena no Estado evidenciam-se claramente pelas parcas ações público-governamentais voltadas ao segmento.
Nem mesmo a Fundação Nacional de Saúde (Funasa/RN) abriga projetos de iniciativa comunitária em saúde indígena no Rio Grande do Norte.

Última atualização em: 05 de dezembro de 2009
Fontes: Ação Indígena Potiguar. Disponível em
%C3%ADgena_potiguar. Acesso em 27/08/2009
http://pub.descentro.org/wiki/%C3%A7%C3%A3o_ind
Audiência Pública discute a questão indígena no RN. Disponível em http://www.mineiropt.com.br
/conteudo/noticia.php?id_noticia=4319
Funasa – Iniciativas comunitárias em saúde indígena.
/Web%20Funasa/vigisus/startVigisus/sub3_mapaprojetos.html
Disponível
em
http://www.funasa.gov.br
GUERRA, Jussara A. Mendonça do Amarelão: caminhos e descaminhos da identidade indígena no RN.
Dissertação de Mestrado (Antropologia). Universidade Federal de Pernambuco. 2007.
História, povos indígenas e educação: (re)conheçendo e discutindo a diversidade cultural ? E. Silva
http://www.ufpe.br/npecap/documentos/artigo%20edson.doc
Matéria jornalística ?No RN, três grupos reivindicam
http://www.adital.com.br/site/noticia2.asp?lang=PT&cod=17206
publicamente
identidade
indígena?
SILVA. Cláudia M. Moreira da. Em busca da realidade: a experiência da etnicidade dos Eleotérios (Catu,RN). Dissertação de Mestrado (Antropologia Social) Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2007.

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