A região nordeste do brasil abriga hoje 24% dos povos indígenas brasileiros [1]. No estado do Rio Grande do Norte, estes índios e índias sofreram com mais virulidade a pressão da miscigenação cultural e limpeza étnica, assim como o saqueio de terras, aldeamento e perseguição religiosa e linguística desde os primórdios da colonização brasileira.
O fato do estado não ter oficialmente nos dias de hoje nenhuma aldeia indígena reconhecida, faz despertar o interesse pelo estudo dos levantes indígenas mais importantes no período colonial, como a Guerra dos Bárbaros ou confederação dos Cariris, onde vemos o estado do Rio Grande do Norte como uma região central de uma extensa área indígena rebelde, estratégica geograficamente, que servia de refúgio para muitas das tribos que se rebelavam contra o sistema mercantilista – Cariris, Janduís, etc – tornando-se portanto alvo de grande repressão militar por parte da ordem vigente. Os constantes levantes e alianças entre colonizadores e índios, levou a quase total dizimação dos índios e índias da região.
Após mais de 100 anos de silêncio oficial, nos quais estas populações foram dadas como extintas, desde junho de 2005, diferentes grupos étnicos reinvidicam publicamente sua identidade indígena em território potiguar: Eleotério do Catu de Canguaretama, Mendonça do Amarelão de João Câmara; Caboclos de Açu; Comunidade de Banguê e Trapiá, também em Açu; Comunidade de Sagi, cujos antecessores Potiguara vieram da Baía da Traição na Paraíba.[5] Tática de resistência ou etnocídio, o fato é que as comunidades indígenas, se contabilizarmos os significativos contingentes de índios que moram nas periferias urbanas próximas às aldeias e nas capitais, expulsos em sua grande maioria pelo avanço do latifúndio sobre as terras indígenas,[6] parecem estar hoje em pleno florescer.
Mesmo assim, além do terror oficial do passado (dizer-se ‘‘índio’’ soava como uma sentença de morte), esteriótipos e discriminações como o de povos indígenas já inseridos num contexto urbano, sem terras, e sofrendo processos contínuos de domesticacão cultural, ainda sofrem o descaso dos habitantes circunvizinhos. Somando às forças de destruição estão as implementações globais de políticas de exploração dos recursos naturais. A comunidade do catu por exemplo, encontra-se completamente cercada pela monocultura de cana-de-açucar da antiga Usina Estivas S/A, para produção de etanol, comprometendo completamente seu ecossistema.
“É sintomático que no Rio Grande do Norte, as lutas territoriais não seguiram o caminho da reivindicação identitária, pelo contrário, as ‘comunidades’, quando existem – quer dizer quando despertaram o interesse de estudiosos – encontraram grandes dificuldades para conseguir o reconhecimento dos seus territórios tradicionais.(…) Longe de ser a reivindicação de uma identidade coletiva ou refletir uma ação política fundada num interesse em reconhecer os direitos ancestrais sobre um território, parece que a redescoberta pessoal de um passado até então abafado, inicia uma reflexão introspectiva sobre raízes diferenciais que só hoje podem ser afirmadas e declaradas a um agente do Estado brasileiro.“[7]
É neste sentido que no estado, o Movimento dos Sem Terra, ao não focar em identidades, pareça ter sido mais efetivo do que o movimento indígena que reclama igualmente por terras e reconhecimento étnico. No entanto, o movimento dos expropriados parece ir muito mais a fundo, quando também questiona os processos culturais, religiosos e filosóficos da própria existência humana e intergalática, em que diversidades conectadas, livres e autônomas podem observar com generosidade desde os processos mais simples da natureza e dos animais que a habitam, quanto às mais complexas expressões culturais, artísticas e medicinais. Isso é sobretudo um modelo de futuro, não pode ser considerado em nenhuma forma “primitivo” pois esse foi o discurso que invisibilizou estas comunidades até hoje.
Em Sibaúma, o mesmo processo ocorre com os Quilombolas da região que passaram por um processo desastroso de “oficialização” que acabou nunca se concretizando. http://potyguarxsvivxs.noblogs.org/post/2015/03/12/de-herdeiros-a-quilombolas-identidades-em-conflito-sibauma-rn-brasil/ Seu território pode então continuar a ser vendido aos Europeus que compraram já muito da vila ao lado, Pipa.
Segundo o pesquisador Paulo Lara “a história mostra que as relações sociais, através de conflitos e choques, na américa latina, dificilmente se encaixam numa auto-afirmação totalizante, mas mais em processos de auto criação e recriação segundo as épocas e níveis de contato ou dominação.” O estudo de movimentos indígenas mais organizados como os zapatistas vai no sentido de encontrar referências entre pares de lutas e resistências globais, assim como dos processos engendrados nestas mobilizações.”
Potyguaras somos todxs que habitaram e habitam a costa litorânea potiguar! Somos um exército sem rostos.
Pesquisa Coletivo Baobá Voador
Fontes
[1] Dados da Fundação Nacional de Saúde http://www.funasa.gov.br/Web%20Funasa/vigisus/Pdfs/Folder_Dados.pdf∞
[2] “Introdução a história do RN” Denise Mattos Monteiro, 2002, Cooperativa Cultural Universitária, segunda edição.
[3] A etnicidade encoberta: ‘Índios’ e ‘Negros’ no Rio Grande do Norte – J. Cavignac http://www.antropologia.com.br/arti/colab/abanne2003/a10-jcavignac.pdf∞
[4] Indígenas do Rio Grande do Norte: uma longa história de resistência – J. Guerra http://www.mineiropt.com.br/arquivosestudo/arq46bc7274d2043.pdf∞
[5] Matéria jornalística “No RN, três grupos reivindicam publicamente identidade indígena” http://www.adital.com.br/site/noticia2.asp?lang=PT&cod=17206∞
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[6] História, povos indígenas e educação: (re)conheçendo e discutindo a diversidade cultural – E. Silva http://www.ufpe.br/npecap/documentos/artigo%20edson.doc∞ Alguns destes dados são do IBGE/2005, orgãos oficiosos.
[7] A etnicidade encoberta: ‘Índios’ e ‘Negros’ no Rio Grande do Norte – J. Cavignac http://www.antropologia.com.br/arti/colab/abanne2003/a10-jcavignac.pdf
Mais sobre a
Etnogênese Potyguara
MENDONÇA DO AMARELÃO
João Câmara-RN
Os antecessores dos Mendonça do Amarelão são indígenas migrantes do Brejo de Bananeiras do Estado da Paraíba que chegaram à região por volta da primeira metade do século XIX. São mais de 1.600 pessoas que vivem no Amarelão (João Câmara/RN) – lugar de fundação da família há mais de 150 anos e Assentamento Santa Teresinha – terras que os Mendonça conseguiram recuperar junto ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terras – MST, área vizinha do Amarelão. Ambas as localidades estão distantes em mais de 90 km de Natal.
ELEOTÉRIO – CATU
Canguaretama/Goianinha-RN
São aproximadamente 900 pessoas que vivem numa região chamada Catu (na língua Tupi significa “bom”, “bonito”). É uma área localizada nos municípios de Canguaretama/Goianinha, distando cerca de 80 km de Natal. O Catu está rodeado de canaviais e por criadouros de camarão. No século XVIII a antiga aldeia de Igramació (arredores de Vila Flor, Goianinha e Canguaretama) abrigava indígenas Potiguara e depois Tapuia, sobreviventes da “Guerra dos Bárbaros” (LOPES,2003).
CABOCLO
Açu-RN
Próxima a Riacho no município de Açu compõe-se de 150 pessoas que vivem em terras alheias. Vivem da agricultura, trabalhando como meeiros, ou seja, tudo que produzem na terra têm que dividir com o dono do lugar. Os Caboclo falam de sua origem indígena e de migrações da família que vieram de Paraú (oeste do RN). Alguns se identificam como indígenas, outros como “caboclos”, denominação que se remete a antecessores indígenas. Há cavernas e outros lugares de memória que são lembrados pelos mais velhos como espaços dos antecessores indígenas.
BANGUÊ
Açu-RN
Composta por 180 pessoas que vivem à margem da Lagoa do Piató (13 km de extensão) no município de Assu. Trabalham com a pesca e agricultura de subsistência. Da mesma forma que as demais comunidades já vistas, há muita precariedade no que se refere à saúde, à educação, ao lazer e ao trabalho. Há referências à origem indígena e à presença desses antecessores na memória social.
Lagoa do Piató
SAGI
Baía Formosa-RN
Localiza-se numa praia do mesmo nome, no Município de Baía Formosa, litoral sul do Rio Grande do Norte, fronteira com a Paraíba. São aproximadamente 540 pessoas. Ao que tudo indica as famílias pertencem a troncos familiares dos indígenas Potiguara da Paraíba que chegaram na região há mais de 100 anos.
fonte: http://indigenasnorn.blogspot.com.br/
Somos arma cortante!
sisTA – taciraATriseup.net
Doces Bárbaros – Um Índio – Caetano Veloso, por Maria Bethânia
Um índio descerá de uma estrela colorida, brilhante
De uma estrela que virá numa velocidade estonteante
E pousará no coração do hemisfério sul
Na América, num claro instante
Depois de exterminada a última nação indígena
E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida
Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas
das tecnologias
Virá impávido que nem Muhammad Ali
Virá que eu vi, apaixonadamente como Peri
Virá que eu vi, tranqüilo e infalível como Bruce Lee
Virá que eu vi, o axé do afoxé Filhos de Gandhi
Virá
Um índio preservado em pleno corpo físico
Em todo sólido, todo gás e todo líquido
Em átomos, palavras, alma, cor
Em gesto, em cheiro, em sombra, em luz, em som
magnífico
Num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico
Do objeto-sim resplandecente descerá o índio
E as coisas que eu sei que ele dirá, fará
Não sei dizer assim de um modo explícito
Virá impávido que nem Muhammad Ali
Virá que eu vi, apaixonadamente como Peri
Virá que eu vi, tranqüilo e infalível como Bruce Lee
Virá que eu vi, o axé do afoxé Filhos de Gandhi
Virá
E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio.