“me fale de repovoamento
que nos enraizamos na permacultura
me fale de resistência
que nos afogamos na lua
me fale de luta
que entramos na mata
me fale de zapatismo
que nos incita à resistência potyguara”
(Bartolina Sisa)
“uma maneira elementar de constituir relações pautadas pelo apoio mútuo é retomar o contato com a terra como base da maior parte dos modos de vida humanos. Da terra, devemos também aprender com quem a conhece. A reapropriação de saberes tradicionais a respeito da terra e de tantos outros elementos fundamentais para um modo de vida preoporciona uma alternativa à superespecialização e da fragmentação imposta pelo capitalismo e pelo estado. Deter esses conhecimentos é retomar para a gente mesma a gestão de nossas vidas, pulverizando os focos de poder.” (Gestão de Espaços Autônomos, Coletivo Ativismo ABC, SP)
Temos como realidade a utopia de se pensar o impossível. Se pensado desde o dia-a-dia, de dentro do pequeno, do olho do outro, cresce a cada dia. Invisível crescimento no entanto, mas quando se vê, já somos muitxs.
É com a vontade de se somar às utopias do mundo que convidamos você para vir conhecer a Casa Potyguara, em Pipa, Rio Grande do Norte, Brasil.
Sobre Pipa.
Pipa é um balneário litorâneo do Rio Grande do Norte. Fica praticamente equidistante entre João Pessoa e Natal. É uma das praias mais conhecidas do território Potiguar e geograficamente é uma costa de praias que se estendem desde o município de Tibau do Sul do qual faz parte (Cacimbinhas, Madeiro, Baía dos Golfinhos, Centro, Lajão, Praia do Amor e Praia das Minas) até Sibaúma, um ex-Quilombo.
É uma Vila de Pescadores que muito rapidamente se descaracteriza já que o turismo predatório chegou aqui com força (global, desde os anos 50 com a inauguração da base aérea de Parnamirim, no caminho para Natal). A luz chegou no vilarejo nos anos 80 quando começa a ser explorada por surfistas e estrangeiros. O asfalto que ligaria a vila ao município de Goianinha na BR-101 chega nos anos 90 tornando o local acessível a capital. Nos anos 2000 uma expansão desenfreada acontece com a chegada dos investimentos massivos principalmente em hotéis, condomínios, pousadas, restaurantes e “pacotes” turíticos. Muitos terrenos adquiridos não são propiamente nem para moradia já que servem para um ganho futuro virando enormes resorts e pousadas, muitos inacabados, que pouco se relacionam com o espaço geográfico e biológico que habitam.
Atualmente Pipa conta com aproximadamente 4 mil habitantes mas pode dobrar em feriados como “Semana Santa” e “Ano Novo”. Vivemos um momento de expansão muito grande em que mais e mais ocupações vêm assentando um número cada vez maior de pessoas. Este é um local de morada usurpado há muito tempo nessa nossa trajetória colonial. Os primeiros a chegar aqui foram os Holandeses e Franceses, depois os Portugueses e Estadunidenses nos anos 50 e o perfil hoje é praticamente o mesmo, sendo muitos dos novos imigrantes ainda estrangeiros, hoje principalmente Argentinos.
Com a chegada de imigrantes brasileiros e estrangeiros a prática da agricultura de subsistência – majoritariamente orgânica – rapidamente desaparece já que vão diminuindo proporcionalmente os espaços tradicionais de roçado das culturas nativas como macaxeira, milho, feijão, melancia, mangaba, caju, cajá e os trabalhos substituidos pelos de terceiro setor. Neste aspecto, a desigualdade econômica acentua-se ainda mais visto que a contratação de um estrangeiro é bem mais propícia pois falam mais de uma língua, habilidade muito valorizada. Aos nativos sobram muito poucos trabalhos formais majoritariamente no ramo da construção civil (área em expansão) e trabalhos domésticos para as mulheres (as estrangeiras e imigrantes pouco competem com as nativas, nesta ordem seus empregos se compõem.) Essa “luta de classes invisível” faz parte do cotidiano da Vila mas pouco é comentada ou discutida. Afinal, vive-se num “paraíso”…
Mesmo que o ambiente de dunas e mata atlântica seja perfeito para a produção familiar de alimentos (é biologicamente inadequada a prática agropecuária ou de cultivo extensivo) pouco se valoriza o “trabalho dos antigos” que são os únicos que ainda nos dias de hoje vão para seus roçados, atualmente em disputa com uma área de preservação ambiental imposta de cima para baixo, o PEMP (Parque Estadual da Mata da Pipa), nunca efetivado, uma reserva que só existe no papel. É natural, portanto, o aumento vertiginoso do preço do alimento no vilarejo, que não possue ao menos uma Feira, sendo a maior parte da produção oriunda do Ceasa ou da cercana feira de Goianinha. A carência do bom, saudável e barato (trocas e feiras livres) alimento é também a carência de um resgate das práticas tradicionais de cultivo e preservação que geraram inclusive a própria Mata da Pipa, preservada através de gerações de seus moradores e moradoras mais antigos.
Outra característica de Pipa é sua interface com a cultura da pesca, já que aqueles que plantam são muitas vezes também aqueles que pescam. Assim como a mata e a pesca estão simbioticamente ligadas, a agricultura e a mata também estão. É através da mata preservada que os cultivos abaixo nascem férteis e abundantes. As bordas destes ambientes são fundamentais para todo o sistema. As práticas ancestrais de queima poderiam se reconfigurar em outros modelos de produção, mais sustentáveis (permanentes).
Assim como os cultivos nativos, em franco decrescimento, a cultura nativa também rapidamente se decompõe. O côco que antes era abundante e permanente foi afastado para as cercanias da Vila, para municípios próximos como Cabeceiras aonde resiste à sujeição de micro-eventos patrocinados, como o Côco de Zambê e o Pastoril. A diversão do final de semana é hoje a “boate” e a música eletrônica. Os mega-eventos também despontaram desde o ano anterior (2014, não coincidentemente ano da Copa), quando foi aberta uma arena gigantesta nun antigo coqueiral centenário.
Acreditamos que a mata, a terra, se configura como local privilegiado de intervenção cultural, tanto para visitantes como para seus moradores mais novos e antigos, principalmente para os mais jovens que estão esquecendo deste tipo de conhecimento tradicional (milenar). O plantio em agrofloresta, o reflorestamento com comestíveis, a horta familiar assim como a construção ecológica e a tecnologia apropriada (que são os pilares da Permacultura) funcionariam aqui como potentes experimentos de re-educação ambiental e re-construção social.
Sobre a Casa Potyguara
Seguindo princípios e práticas como Auto-gestão, Agroecologia, Permacultura, Teoria Decolonial, Decrescimento, Anarquia, Tecnologias Apropriadas, Hacktivismo, Software Livre, Conhecimentos Livres e Arte e Política participamos em alguns grupos de estudo, em lugares descentralizados: Capoeira Angola, Permacultura, Anarquismo. Realizamos um Cineclube com crianças e trabalhamos com Comida Vegana.
Em breve vamos abrir um chamado para micro-residências.
Pipa não é só uma praia turística em meio aos micro e megaeventos, sempre passageiros, é também um território em disputa.
Os Potyguaras, povos originários, fugiram para os sertões, foram mortxs, de forma tão contundente que o Rio Grande do Norte não tem uma aldeia indígena reconhecida, no entanto diferentes povos passam por um processo de “etnogênese” (“Se o etnocídio é o extermínio sistemático de um estilo de vida, a etnogênese, em oposição a ele, é a construção de uma autoconsciência e de uma identidade coletiva contra uma ação de desrespeito (produzida pelo Estado nacional), com vistas ao reconhecimento e à conquista de objetivos coletivos”[1.)
Acreditamos que ao nos reconhecermos mestiçxs, cafusus, também ousamos libertar nossos imaginários, os territórios que pisamos e escolhemos por viver, nossas identidades e corpos. Passamos por processos parecidos de re-descoberta étnica e planetária. A luta é contra o fora opressivo e para o dentro libertário! Neste sentido, um território Potyguara não é somente um território indígena é também um trans-lugar, lugar de todxs, aonde diferentes identidades se cruzam e num processo inverso de descolonização: se fortalecem!
Essa é uma micro-experiência de mundo, um laboratório de nossa amerindianidade em formAção. Contracultura Potiguar. Território Potyguara.
Entre em contato conosco através do email tacira-AT-riseup.net. Não usamos Face nem Whats, somos olho-no-olho. Proponha uma residência, uma ação, co-labore conosco.
Nos encontramos toda sexta durante a Feira de Produtos Orgânicos e Artesanais de Pipa, na banquinha vegana Baobá.
Hasta!
Sawe!
[1 Arruti, José Maurício. “Etnogêneses Indígenas”. Povos Indígenas no Brasil, Instituto Socioambiental.
Imagem (RE-)pirateada de http://www.fernandovicente.es/pinturas/atlas