Crônica salgada de nossa ecologia cultural

Hoje me bateu a vontade de falar de nosso meio-ambiente nada doce. Começo no início da involução ou desenvolvimento histórico de nossa cara praia de Pipa. Recordo as cacimbas de água doce que existiam nas praias de Tibau do Sul. Alguns falam em oito ou nove somente em Pipa. Era lá que os nativos colhiam a água para beber, fazer sua comida e lavar o sal da pele. E foi nesta época que ocorreu a primeira interação entre nativos e estrangeiros. Alguém trocou uma prancha de surf por um lote de terra para construir um chalé e aí começou a simbólica corrida pelo desmatamento da nossa outrora mata atlântica. Furamos o solo da argila que encobre a camada de areia, meia salgada, na busca de mais água e para enterrar nossos excrementos humanos em fossas jamais sépticas. E veio a caixa de gordura nada séptica para alimentar as baratas urbanas (ainda temos a barata cascuda da mata com outros hábitos).

Ocupamos a beira das falésias sob as quais avança o mar num ritmo veloz, ano a ano, inexoravelmente. A imagem do são Sebastião no mar próximo à praia do centro, já quase afogada nos faz recordar da pracinha, das casas com plantações de macaxeira e bananas que existiam onde hoje o mar se quebra na maré baixa. A argila das falésias, amontoada e enegrecida pelo sal cobriu tudo e parecem arrecifes. Morava-se onde hoje repousam as lanchas de turismo para ver nossa atração maior, os golfinhos. Paraiso onde os golfinhos visitados em Miami, ainda restam na outrora praia dos currais. E foi então que se deu o nome de ‘praia das minas’, para onde escoriam as águas de minas de água doce que brotavam das enormes dunas que a circundam. Ali mesmo onde passou a se chamar de Yahoo, bar fundado por um jovem e alegre alemão. Tempos nostálgicos dos nórdicos que nos deixaram o menino galego de olhos azuis, novo herói do surf local que já é reconhecido no Bali.

Lá se vão trinta anos plantando antiguidade à praia do centro. Agora ficou proibida a análise de suas águas como praia poluída e imprópria ao banho. E como anátema, o IDEMA só analisa outras praias, mas jornais de São Paulo a inclui na longa lista das proibidas. As cacimbas nascem salgadas, o mar já comeu parte do velho cemitério dos nativos e levou embora as antigas escadas de madeira. A água dos poços artesianos, da segunda camada do lençol freático, já está contaminada pelos nossos coliformes fecais e haja cloro para limpá-las. Já passamos para a terceira camada buscando água a 250 metros de profundidade. Só no ano passado este lençol doce desceu 5 metros nos bairros mais distantes. Nosso primeiro depósito de esgoto, escondido atrás de igrejinha católica, já recebe as águas da maré cheia e mais 15 anos estará afogada como a estátua de são Cristóvão. E, ainda não temos chuveiros públicos e muitos visitantes defecam atrás de uma onda. Alguns troços mais secos navegam nas piscinas naturais. Outros, mais pesados se misturam nas areias. E nem falo no mijo.

O censo agropecuário dos anos 70 dava como principal produto local a lenha. Mas ela continua junto com as jovens varas de árvores a alimentar os fornos das deliciosas pizzas italianas e suas similares. O desmatamento já bateu nas margens da Mata de Pipa, a ser preservada, onde eu moro a 5 anos. Já não vejo os roceiros passarem. Mas ouço o barulho das marés altas e os tombos das árvores altaneiras que as dunas não mais seguram. A mata escasseia por si. Morrem as raízes que alimentavam de água o lençol freático. O milho plantado e replantado, este ano não dará nada. O feijão de corda já se colhe bichado, clamando pelos agrotóxicos, ainda não usados. Os próprios cultivadores das roças, que os via às dezenas passando sob meu olhar madrugadeiro, já escasseiam. Restam poucos nativos que amam a terra. Idosos sentem as pernas fracas e reclamam dos filhos que não veem mais às roças. E a macaxeira acaba sendo vendida para alimentar gado e porcos, pois fica dura e não derrete na boca. A macaxeira que compramos vem da Paraíba, de grandes plantios regados. As alfaces estão vindo das plantações da Vitória da Conquista, já na divisa da Bahia com Minas. E os nativos, barrados pela Mata da Pipa, estão vendendo o que resta, bem roçado e limpo como gostam os novos moradores. Vai faltar caju e já importamos castanhas do Ceará, algumas tipo exportação, outras pelo menos vistosas, mas há as quebradas e lascadas que meus dentes idosos não mastigam.

Enfim o ciclo da nossa efêmera ecologia-cultural se esvai, pois esqueceu de sustentar os costumes passados. Se torna uma ideologia e como todas elas uma ‘falsa consciência’, uma ‘religião’ que busca preservar velhas imagens. Só os estrangeiros visitam nossa feira orgânica espremida na praça do Pescador. E o orgânico veem do paú, do catú, da Vila Flor (primeira cidade do RN), plantada pelos históricos holandeses que abrigavam sua pólvora na lagoa de Guarairas, onde se contempla o pôr do sol refletido nas areias do assoreamento. São 30 anos que se somam aos 300 de Nassau, como um rastilho de pólvora que queima o meio e os arredores do ambiente. E se reflete na nostalgia da minha mente que perde a esperança de ser conservacionista. Em breve ficarei também nas saudades que podem brotar entre os muitos afazeres.

extraido do face
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Desafiando até o sol – Uma visão sobre a trajetória de punks anarquistas no nordeste do Brasil

Introdução

A região nordeste do Brasil se caracteriza por ter o fator “seca” como condutor das políticas institucionais e a prática do coronelismo ainda como estratégia dos governantes para manter atrelada toda a população ao seu domínio. Para auxiliar nesse processo, esses políticos têm ao seu dispor instituições como a escola, onde a educação é feita como adestramento para a submissão; a igreja, onde o discurso de salvação impossibilita a sublevação e condena a todxs a submissão devota; e, atuando decisivamente, a polícia que é uma das mais brutais do país cometendo atrocidades rotineiramente. Em contraposição a toda essa situação, surge na região alguns grupos de jovens que destoam do ambiente de servidão voluntária e não se calam diante da exploração generalizada; são punks anarquistas que desde o início da década de 1980 já faziam barulho em algumas capitais do nordeste. Aqui será relatado um pouco dessa trajetória dentro de uma visão pessoal de uma das pessoas que tem vivenciado esse percurso. O objetivo (pretensioso e que deixará de fora muita coisa!) é tentar relatar desde os precursores até a atualidade do movimento punk/anarquista enfatizando não apenas o papel, quase heróico, de resistir às atrocidades que acontecem na região, mas também a questão cultural, os problemas e dificuldades enfrentadas por todas as pessoas que têm se envolvido com esse cenário no nordeste. Para caracterizar o surgimento do movimento na região tentarei expor a trajetória através de algumas formas de atuação do punk, ou seja, bandas, eventos, coletivos de militância, dificuldades/problemas, conquistas e atualidade.

Bandas

No início dos anos de 1980 começaram a surgir algumas bandas no nordeste do Brasil. Nomes como: Jovens Sem Lei, Homicídio Cultural, Jesus Bastardos, Dever de Classe e Via Sacra (Salvador), SS-20, Câmbio Negro, Moral Violenta, Realidade Encoberta (Recife), Epilepsia (Penedo/AL), Karne Krua e Condenados (Aracaju), Restos Mortais (João Pessoa), Devastação e O.R.$.A (Natal), Estado Mórbido, Repressão X, Zueira e Resistência Desarmada (Fortaleza), Gritos Absurdos e Verminose (Teresina), Nutrição Zero e SL Kaos (São Luis). Essas bandas, entre outras, foram pioneiras do punk aqui na região. No entanto, grande parte desse pessoal vivenciava o punk ainda sem muitas informações sobre o movimento. A absorção se dava, praticamente, pelo que a mídia difundia e disso saia algumas coisas bem distorcidas. Mesmo assim o papel exercido pela maioria desses grupos foi fundamental para a consolidação do punk no nordeste e foram também canalizadores para o aparecimento das bandas anarcopunks. As bandas mais envolvidas com a cena anarcopunk no período inicial da cena (fim da década de 1980, início dos 90) foram: Antropofobia, Revolução Proletária, Distúrbio e Neurastenia (BA), Plasma, Olho por Olho e Sublevação (SE), Leprosários, HC-3, Acracia, Terroristas/Putrefação Humana (antiga Epilépsia) e Misantropia (AL), Massa Cefálica, Peste Bubônica, D’Kaos, Epilépsia e Decadência Humana (PE), Aberração Sonora, Disunidos, Dezertores SS, C.U.S.P.E., Agente Laranja e Diarréia (PB), Discarga Violenta, Putrirrancorragia e Face Crônica (RN), Estado Indigente (exEstado Mórbido), Desnutrição (exZueira), , Grillus Sub, Estética Suicida e principalmente a banda Ruptura (CE) que causou uma nova organização na cena cearense, inclusive se tornando posteriormente um coletivo. No Piauí foi formada a Anarcoolatras e no Maranhão bandas como Fome, Amnésia e Estrago realizavam as atividades punks em São Luis. Com a consolidação da cena surgiram posteriormente bandas que contribuíram significativamente: Escato e Expurgados (BA), Couro & Osso (SE), Derriba Tus Muros (PE), Inexistência Divina (posterior Sangrada Família), Scória Fúnebre, Arriba Los Borrachos, Dejetos e Desgraça Sonora (PB), Demência Demente, Infecção Social e Destroçus (RN), Alarma, Reféns, Sublime Profanação e Iconoclastas (CE), Ingovernáveis e Evidência (PI) e Última Marcha, Pk Trauma e Extrema Revolta (MA). Essas bandas somaram forças com grupos mais antigos que continuavam tocando na região: Discarga Violenta, CUSPE, Ruptura, Revolução Proletária e Putrefação Humana.

Durante o período de consolidação da cena anarcopunk foi idealizada pela distribuidora Boas Novas Rec (Distribuidora organizada pela Discarga Violenta) e pela Esperanza Gravaciones uma coletânea em LP chamada Cenas Anarco punks vol. 1 que reuniu 12 bandas da cena nacional. Essa coletânea foi feita de forma Faça Você Mesma: as próprias bandas decidiam, através de cartas circulares, sobre os aspectos do projeto. Nessa coletânea participaram as bandas nordestinas: Misantropia, Bosta Rala, Discarga Violenta e Carcará Core. Outro registro marcante para a cena foi a organização, também da distribuidora Boas Novas Rec, da coletânea Emergência: enquanto vidas secam de fome e sede, chove dinheiro nos bolsos dos governantes. O título abordava justamente a discussão inicial desse texto: a corrupção dos governantes e a miséria social predominante na região. Desse LP participaram bandas de quase todos os estados do nordeste: Neurastenia, Detrito Humano e Escato (BA), Ruptura, Veia Cava e Alarma (CE), Ingovernáveis (PI), Última Marcha (MA), Inexistência Divina (PB), Discarga Violenta e Destroçus (RN) e a Derriba Tus Muros (PE). Faltando na coletânea bandas apenas de Alagoas e de Sergipe. Inúmeras outras coletâneas compilando sons de bandas do nordeste foram organizadas tanto em cassete quanto em LP e CD. Atualmente a movimentação de bandas na região tem sido mais reduzida, mas em muitas localidades têm continuado a surgir novas bandas e juntas com algumas antigas mais persistentes têm lançado materiais sonoros e organizado gigs e outras atividades. Em Natal, por exemplo, se organiza quase todo ano no dia 06 de agosto o Dia de Cultura Punk onde as bandas se apresentam em praça pública e são desenvolvidas diversas outras atividades. Esse evento foi proposto em um dos encontros realizados na região como atividade que ocorreria simultaneamente em várias localidades, inclusive outras cidades como Fortaleza e Campina Grande também organizaram edições do Dia de Cultura Punk.

Eventos

Os eventos mais tradicionais que colocaram em combustão a cena anarquista/punk no nordeste por vários anos foram: Festcore (SE), Encontro Anti-nuclear (PE), Buraco Suburbano (PB), Sub Consciente (RN), Nordeste em Caos (CE) e Atitude Punk (MA). Esses eventos não dão conta de toda a movimentação punk na região, pois as pessoas dos outros estados também organizavam eventos que aglutinavam punks da cidade e de várias outras localidades e até nos estados desses eventos também ocorriam muitos outros, mas os festivais citados foram representativos e aconteciam de forma periódica se tornando tradicionais encontros dxs punks da região e de outras partes do país, rendendo histórias curiosas. O Fest-core é um evento organizado pelo pessoal da Karne Krua em Aracaju desde a década de 1980. Bandas de várias partes do nordeste e até do norte do país (banda Delinquentes) já tocaram no festival. O evento se tornou tão tradicional no meio punk que já teve edição do mesmo no início desse novo século. O Encontro Anti-Nuclear foi realizado em Recife, tendo três edições e sendo também um dos encontros propulsores da difusão do punk na região, mas durante os eventos não participaram apenas bandas nordestinas. Em uma de suas edições contou com a participação das bandas paulistas Tropa Suicida e Vírus 27, e ficou marcado por conflitos e acionamento do botão de alerta para as diferenças entre punks e carecas. Mas esse incidente não diminui a importância do evento para o punk nordestino. O Encontro Anti-Nuclear em suas três edições contribuiu efetivamente para a aproximação de punks de diversas partes do nordeste. Em João Pessoa o pessoal organizou duas edições do festival Buraco Suburbano. Esse evento tinha a característica de provocar a união entre punks e headbangers. Além das bandas punks, tocavam grupos de heavy metal e foram insignificantes os conflitos existentes. Na época alguns integrantes da banda Disunidos também participavam de um programa da rádio universitária, chamado Jardim Elétrico, organizando a seção hardcore. Esse programa contribuiu para uma maior difusão do punk na cidade. Xs organizadores do programa que eram envolvidos na cena alternativa de João Pessoa elaboraram um documentário em vídeo sobre a cena alternativa, mas ao invés de abordar os pontos positivos destacaram as divergências entre as diversas facções. O título do vídeo era Tá sentindo cheiro de queimado? E esse vídeo que, de certa forma, deturpava a cena, foi um dos fatores que afastou xs punks da rádio. Mas em João Pessoa ainda ocorreram outros eventos que marcaram a cena na cidade como o Natal Protesto que era organizado na véspera do natal e tinha participação de bandas de outras localidades. A maioria dos eventos acontecia no prédio okupado, que tinha participação dxs anarcopunks, chamado teatro Cilaio Ribeiro. Mais na frente falarei um pouco mais a respeito dessa okupação. Sobre os eventos em Natal, até o final de década de 1980, as bandas punks tocavam em eventos organizados por pessoas que não faziam parte do movimento, como as participações nos festivais de artes da cidade. Em 1988 foi que aconteceu o I Sub Consciente, evento organizado diretamente pelxs próprixs punks. Esse evento teve uma estrutura do porte de grandes festivais. Foi realizado em um ginásio e foi matéria de página inteira em um dos jornais da cidade com o título: “aparecem xs primeirxs punks nos subúrbios de Natal”. Já existiam punks em Natal desde o início dos anos 80, mas realmente foi a primeira vez que o punk se apresentou de forma tão exposta e abrangente. O evento reuniu punks de várias cidades e foi realizado em mais quatro edições sempre com boa estrutura. Na última edição teve a participação de bandas de quase todo nordeste e de cidades como Belém do Pará e Belo Horizonte. No Ceará a maioria dxs punks se identificava com a postura do punk estilo 77. Em meados de 1980 o pessoal “invadia” as boates e discotecas e insistia prá colocar as fitas cassetes de Ramones, Sex Pistols, entre outras e pogavam, chamando muito a atenção e, apesar de serem expulsxs desses locais, sempre tinha a adesão de novxs participantes no movimento. Para suprir essa deficiência de espaços, xs punks, seguindo exemplo de outros locais, resolveram organizar seus próprios eventos. Foi assim que surgiu o Nordeste em Caos que era um grande evento realizado em Fortaleza e em praticamente todas as suas edições contou com a participação de bandas de outros estados do nordeste. O festival era organizado pelo pessoal mais politizado e “hardcore” da cidade, mas não existiam divisões; ao lado da Estado Mórbido e da Explorados, tocavam Repressão X, Zueira, HLV-3, Estética Suicida, Grillus Sub, entre outras. O pessoal tido como “77” por punks um tanto quanto arrogantes de outras localidades (me incluindo nessa lista) não atentavam pro potencial desse pessoal e muitas vezes criticavam com veemência a importância que esse pessoal dava ao Ramones e aos Sex Pistols. Em uma das edições do Nordeste em Caos ocorreu várias discussões em pleno palco no momento em que a Discarga Violenta tocava e discursava contra os “ícones” do punk rock. Com o passar do tempo alguns dxs tidos como “77” continuaram firmes na cena envolvidxs nas movimentações libertárias, enquanto xs mais “hardcores” desapareceram.

Coletivos

No nordeste a principal característica dxs punks, durante muito tempo, foi a proximidade com o anarquismo. Desde o final da década de 1980 já existiam diversos grupos organizados dentro de uma profusão de siglas: NCL-RN, GAL-PB, GANNA-SE, NCCL-CE, ULMA-MA, GEA/PI… Todos esses grupos tinham forte contato entre si e eram formados majoritariamente por anarcopunks. No início dos anos de 1990 grande parte desses grupos passaram a se denominar Movimento Anarco Punk e assim surgiram os grupos organizados em torno da sigla MAP (MAP/RN, MAP/AL, MAP/BA, MAP/CE, e em estados como a Paraíba existiram MAP em Campina Grande e em João Pessoa). Talvez o principal fator de assumir os grupos como Movimento Anarco Punk foram as divergências com indivíduos anarquistas que tinham restrições a participação dxs anarcopunks em seus coletivos, como aconteceu, por exemplo, num encontro Pró-COB ocorrido em João Pessoa, onde aconteceu uma intensa polêmica sobre a permissão dxs anarcopunks participarem ou não do congresso. O resultado dessa polêmica foi o desligamento de anarquistas paraibanxs da COB e adesão de alguns delxs ao MAP. Talvez a Paraíba tenha sido o único lugar onde o caminho foi inverso: enquanto escutávamos diversos comentários de punks que deixavam de ser punks prá se assumir “só” anarquistas, em João Pessoa alguns anarquistas viraram anarcopunks. Outro fator para a utilização da sigla foi a diferenciação entre punks anarquistas e alguns punks que não assumiam nenhuma postura política ou se assumiam “pessimistas”. Mas, falando em coletivos anarcopunks organizados é importante destacar alguns que tiveram maior organização e se tornaram referência em toda a região. Grupo Afim, CCS/JP, ULMA, Coletivo Ruptura, NADA/SE e MAP/BA.

Grupo Afim – Esse coletivo foi formado em Natal e teve boa estrutura e forte atuação na cidade. O grupo tinha uma sede onde aconteciam reuniões, grupos de estudos, ensaios de bandas, equipamentos para gig, hospedagem de militantes que vinham prá Natal, moradia de alguns indivíduos e uma biblioteca com diversos materiais anarquistas e punks. O nome surgiu justamente com a proposta inicial do coletivo que era ser formado por afinidade entre xs participantes, ao contrário do MAP/RN que, pela sigla, deveria representar todxs xs anarcopunks do RN. Suponho também que o nome também sugerisse uma crítica contra as pessoas que se diziam parte do movimento e não estavam “afim” de participar efetivamente das atividades desenvolvidas. O grupo Afim organizou importantes eventos e foi de fundamental importância prá cena potiguar dos anos de 1990, participando inclusive de eventos em outras cidades do estado como: Macau, Mossoró e Grossos.

Coletivo Ruptura – Grupo cearense formado inicialmente pelos integrantes da banda Ruptura, mas que não se limitava as atividades da banda. O coletivo tinha diversas atividades sendo desenvolvidas não só no meio punk, mas também com inserção social em vários outros movimentos sociais em Fortaleza e cidades vizinhas. Essas atividades propiciaram ao coletivo um aumento significativo de integrantes. Nos últimos tempos do grupo houve uma aproximação com facções denominadas de “anarquismo organizado” (?) e xs anarcopunks acabaram saindo do coletivo e formando o Coletivo Confronto. É importante também citar a existência do Coletivo Lua que era formado por integrantes do Coletivo Ruptura, mas que direcionava suas atividades para questões anarcofeministas.

Centro de Cultura Social de João Pessoa – O CCS/JP surgiu a partir do envolvimento dxs anarcopunks paraibanxs numa okupação, de um antigo teatro da cidade realizada em parceria com vários grupos do movimento social. Na época (1991/92), o pessoal, então reunido na sigla MAP/PB, resolveu adotar a nomenclatura de CCS justamente em homenagem ao CCS/SP e também para não colocar em evidência o envolvimento do anarcopunk, sempre marginal e subversivo, e poderia ter problemas para dar continuidade a okupação que, na perspectiva dos outros grupos, almejava o apoio de órgãos governamentais para realizar a reforma do prédio. Assim, o CCS/JP passou a funcionar como uma espécie de federação anarquista local que reunia alguns grupos realizando atividades no local: Grupo Libertário Ovelhas Negras, NAU, Coletivo Reação Anarquista, Coletivo Insubmissas e ainda uma Cooperativa de bandas que ensaiou no local durante um tempo. Esse período de atividade do CCS/JP foi bastante proveitoso para o movimento punk/anarquista, principalmente pelo contato com grupos de outros setores do movimento social. No local também funcionavam duas distribuidoras de materiais punks: a Boas Novas Rec. e a Borrachos Produções. É inesquecível a imagem de bandas punks se apresentando ao lado de drag queens ou xs punks e rappers puxando juntxs ações contra o racismo, também as discussões acirradas com pessoas que trabalham com cultura em João Pessoa. Infelizmente, depois de mais de dez anos de atividade, o CCS/JP foi dissolvido, a okupação foi legalizada pelo estado e, atualmente, só atuam no local as entidades cadastradas oficialmente e seguindo os critérios estabelecidos pelos dirigentes da cultura estatal.

ULMA – A União Libertária do Maranhão surgiu da coalisão de dois agrupamentos de punks que rivalizavam em São Luis e resolveram aglutinar forças. Realmente, durante a década de 1990, aconteceram inúmeras atividades na cidade e em Imperatriz e Teresina, com forte atuação da ULMA. Infelizmente não posso relatar com mais aprofundamento as atividades do grupo, pois não tive oportunidade de vivenciar mais de perto a cena, mas tive sempre contato estreito com Jamys e Antigo, companheiros da banda Última Marcha. Eles me relatavam das gigs, dos zines, da participação em programa de rádio, manifestações e também é importante destacar o trabalho feito por Joacy Jamys como cartunista e articulador de atividades culturais. Ele organizava o Grito Punk que era zine (e depois jornal), evento e distribuidora de diversos materiais. Jamys faleceu, mas a cena em São Luis continua ativa.

NADA/SE – O Núcleo de Ação Direta Anarquista foi formado por ex-integrantes do MLA (Movimento Libertário de Aracaju) e simpatizantes mais novxs na cena libertária. Elxs tinham uma boa articulação na cidade com contato em alguns sindicatos e com pessoas de diversos setores do movimento social local. O grupo tinha um informativo chamado Humanismo que teve uma das maiores circulação de periódicos anarquistas na região. Xs integrantes do grupo também articulavam outras produções escritas como o informativo OPA (Órgão de Propaganda Anarquista) que visava abordar temas relacionados à proposta do anarquismo e alguns zines, tais como: AntiConsumismo, Anarcozine e, ainda, o zine AntiRepressão. Também organizaram ensaios coletivos de bandas (as bandas se reuniam e dividiam equipamentos e local) e eventos como o festcore que em algumas da suas edições teve participação efetiva do NADA.

MAP/BA – Ao contrário da maioria de grupos denominados “MAP” em outros estados, na Bahia o pessoal anarcopunk continuou se organizando através da sigla e com intensa atividade em Salvador. Durante vários anos o grupo manteve estreita ligação com o Quilombo Cecília que era um espaço onde funcionava: restaurante vegetariano, biblioteca, espaço de reuniões, algumas poucas gigs (por causa da fragilidade do piso que era no primeiro andar e poderia desabar) e muitas outras atividades, inclusive foi realizado numa nova sede do Quilombo Cecília um encontro anarcopunk internacional, com pessoas de todo o Brasil e de países como: Espanha, México, País de Gales, Uruguai, Argentina, etc. O MAP/BA também teve forte participação na campanha para o passe livre em Salvador que foi uma das mais intensas do país. Tendo um registro no curta metragem A revolta do Buzu. Nesse período o pessoal também ocupou uma casa que pertencia a uma entidade estudantil pelega e que havia abandonado a casa. Por esse motivo o nome da okupação foi Casa do Estudante e, nesse espaço, também aconteceram inúmeras atividades.

Dificuldades e Desafios

Talvez pela região nordeste ser a menos desenvolvida economicamente do país, muitas pessoas imaginam que a maior dificuldade dxs punks da região seja os problemas financeiros. Isso é um equívoco. O punk é essencialmente anticapitalista e as produções feitas pelo movimento no mundo todo circulam quase que gratuitamente, basta que exista interesse em buscá-las. Com relação a deslocamento entre as cidades, o hábito de viajar de carona remete ao início do punk aqui na região. Com relação a roupas e acessórios, acredito ser desnecessário escrever sobre isso, pois a estética corporal dx punk quase que na totalidade é artesanal, resignificando alguns produtos e criando outros. As maiores dificuldades se referem, na minha concepção, a questão organizativa. A maioria das pessoas que se envolvem com o punk por aqui tem sérios problemas para organizar suas próprias vidas e isso reflete, inevitavelmente, na organização coletiva. O lema do punk que diz “faça você mesmx” implica muitas outras questões do que apenas a negação de imposições: é você assumir um compromisso com você mesmx de não depender de tudo que é passível de crítica na sociedade, desde as questões de trabalho, a relação com a família, com as pessoas próximas, com os relacionamentos afetivos e com a diversão. Infelizmente, grande parte das pessoas que se envolve no punk não consegue visualizar esses outros aspectos do “faça você mesmx”, direcionandoo apenas para produções culturais. Uma preocupação constante tem sido a diminuição do número de bandas ativas na região. Ao contrário de épocas passadas, são raras as bandas que continuam tocando e há uma perceptível diminuição no surgimento de novas bandas comprometidas com o anarcopunk. Outro problema que tem surgido na região é a proliferação de skinheads em praticamente todas as suas versões: Sharp, Rash, Tradicionalistas, Carecas do Subúrbio e até White Power. Ao que parece, tem se desencadeado uma espécie de moda bizarra onde pessoas de outras tribos como os headbangers, contraditoriamente, se tornam skinheads. Mas, nesse aspecto, em algumas localidades, os grupos anarcopunks têm reagido e realizado eventos e contatos com outros grupos do movimento social para denunciar os fascistas de suspensório e cabeças raspadas.

Conquistas e atualidades

Para falar das conquistas do movimento anarcopunk não é cabível retomar o que aconteceu no passado, por isso esse tópico menciona diretamente o que tem acontecido de interessante na cena na atualidade. O que mais tem chamado atenção na região é a organização de algumas okupações com caráter libertário e envolvimento direto de punks e anarcopunks. Depois do Cilaio Ribeiro em João Pessoa, da Casa do Estudante em Salvador, da Casa Viva em Natal, agora quem existe e resiste é o Squat Toren em Fortaleza e o Cine São José em Campina Grande. O Toren existe desde março de 2007 e além de moradia para várias pessoas, também é um espaço onde tem ocorrido diversas atividades de caráter político/cultural libertária. Quem desejar obter mais informações pode ver a matéria: http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2010/04/468908. shtml ou escrever para o email: dannylibre@riseup.net onde poderá manter contato com a moçada envolvida e, se possível for, ajudar de alguma forma. Também no primeiro semestre de 2010 foi ocupado um prédio antigo onde anteriormente havia funcionado um cine-teatro chamado São José. Neste local, punks e libertárixs têm realizado diversas atividades e movimentado a cena. Mais informações: http://naruaideias.blogspot.com/2010/06/ocupacao-do-cinesao-jose-em-campina.html. Outros pontos que considero positivos na região é o aumento do envolvimento de punks com o vegetarianismo e liberação animal com diversos eventos acontecendo contra as vaquejadas, circos e rodeios. A preocupação também com a mobilidade e não uso de veículos automotores (grande símbolo da indústria capitalista), tem desencadeado um movimento em torno das “bike punk”. Infelizmente já aconteceram alguns acidentes por causa do desrespeito dos carros com as bicicletas, inclusive um desses acidentes resultou na morte do companheiro Oiran, menino de 18 anos que morava em Natal. Quem quiser saber mais sobre esse acidente deve consultar a matéria publica abaixo em um dos jornais da cidade. http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/morte-poratropelamento-desencadeia-protestos/131070 Este texto é dedicado a Oiran e todas as pessoas que persistem envolvidas na luta por um mundo melhor e acreditando no punk como forma de exteriorizar a indignação com a forma de organização social, interiorizando também os princípios libertários característicos do movimento. Vamos adiante! Segue uma letra da banda que participo e que reflete um pouco das nossas preocupações com a atualidade da cena.

Autonomia…

…É não ter a sua vida por outros manipulada Se ligue não é só uma questão de grana, trabalho ou morada Mas é também não depender fodidamente de um amor, de uma droga De um ponto de vista ou de uma única caminhada. Autonomia, autonomia, autonomia!!!!

Desafiando até o sol – Uma visão sobre a trajetória de punks anarquistas no nordeste do Brasil

* Por Renato Maia, estudante do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da UFRN e vocalista da banda Discarga Violenta, de Natal/RN

email: rdideia@yahoo.com.br

texto publicado no livro “Semeando a Revolta – Anarcopunk na América Latina”, publicado pela Imprensa Marginal em 2015

Indígenas ocupam Funai no RN

vídeos do Coletivo Foque

Povos Indígenas do RN ocupam a FUNAI, em protesto contra medida do governo

Desde ontem (3 de abril) a sede da FUNAI potiguar está ocupada por índios que protestam contra o desmantelamento desta instituição promocionado pelo Governo Temer. Segue o manifesto do movimento:

“Manifesto dos Povos Indígenas do RN contra o Decreto nº 9.010, de 23 de março de 2017, que reforça o desmonte da FUNAI

Os Povos Indígenas do Rio Grande do Norte, das aldeias Sagi-Trabanda/Baía Formosa, Catu/Canguaretama-Goianinha, Tapará/Macaíba-São Gonçalo do Amarante, Mendonças do Amarelão, Serrote de São Bento e Assentamento Santa Terezinha/João Câmara, Caboclos/Assú e Apodi, pertencentes às etnias Potiguara, Tapuia e Tapuia Paiacú, manifestam sua INDIGNAÇÃO e REPÚDIO contra o Decreto nº 9.010, de 23 de março de 2017 do Governo Federal. Esse Decreto legitima mais um ataque do Governo ANTI-INDÍGENA de Michel Temer, em concordância com o então Ministro da Justiça, Osmar Serraglio, e Antônio Costa, atual Presidente da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, reforçando o claro objetivo deste Governo em desmontar a FUNAI e acabar com a política indigenista no país. O Governo Federal e o Congresso Nacional, com sucessivos ataques aos direitos dos povos indígenas, vêm enfraquecendo a política institucional de defesa dos direitos dos povos indígenas e com este último GOLPE intensifica o processo de EXTINÇÃO do órgão indigenista.

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Esse Decreto DESRESPEITA o Artigo 6º da Convenção 169/OIT, que trata do direito à consulta livre, prévia e informada,
“Na aplicação das disposições da presente Convenção, os governos deverão:
a) Consultar os povos interessados, por meio de procedimentos adequados e, em particular, de suas instituições representativas, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;
b) Criar meios pelos quais esses povos possam participar livremente, ou pelo menos na mesma medida assegurada aos demais cidadãos, em todos os níveis decisórios de instituições eletivas ou órgãos administrativos responsáveis por políticas e programas que lhe afetem”.
O Decreto desrespeita também a Resolução nº 006 de 2016 do Conselho Nacional de Política Indigenista, de 25 de novembro de 2016
2) propor, no intuito de assegurar o respeito aos povos e ao Conselho, a imediata paralisação da tramitação do processo relativo a este Decreto de reestruturação da Funai e de qualquer outra iniciativa análoga por parte do Governo Brasileiro e que o mesmo abra dialogo com este Conselho e com os Povos Indígenas do Brasil, a fim de que o direito de Consulta livre, prévia e informada seja devidamente respeitado e atendido.

E vem reforçar o processo de desmonte da FUNAI. Diante desta falta de respeito do Governo com os povos indígenas, LUTAREMOS E ACIONAREMOS AS INSTÂNCIAS JURÍDICAS para fazer valer o direito à consulta, conforme o Artigo 6º da Convenção 169/OIT. Tal falta de respeito à referida Convenção é vista por exemplo na nomeação de uma coordenadora, para a CR Nordeste II, ligada aos ruralistas do estado do Ceará, que vai de encontro ao que é reivindicado pelo movimento indígena.

Deixamos claro através deste MANIFESTO que NÃO ACEITAREMOS em nenhum momento esse desmonte da política indigenista oficial, que nada mais é do que uma nova tentativa de acabar com os povos indígenas do Brasil. LUTAREMOS ATÉ O MOMENTO EM QUE ESSE DECRETO FOR REVOGADO. E INTENSIFICAREMOS O ENFRENTAMENTO para que o Órgão Indigenista seja fortalecido, principalmente em suas estruturas regionais e locais, para cumprir com suas atribuições institucionais quanto à proteção desses territórios e a promoção dos direitos indígenas.

Dentro desse ataque, NÃO ACEITAREMOS O FECHAMENTO DA COORDENAÇÃO TÉCNICA LOCAL DO RIO GRANDE DO NORTE, visto que é uma conquista dos povos indígenas há pouco mais de 6 anos, no ano de 2011, e que muito contribui para o desenvolvimento da política indigenista, onde historicamente é colocado a situação de não mais existência dos povos indígenas, a invisibilidade e o preconceito institucional são intensificados cotidianamente.

SOMOS OS VERDADEIROS DONOS DESSAS TERRAS, ESTAMOS RESISTINDO AOS ATAQUES ANTI-INDÍGENAS DESDE AS PRIMEIRAS INVASÕES AO NOSSO TERRITÓRIO, HÁ MAIS 517 ANOS, E RESISTIREMOS SEMPRE!

Povos indígenas do Rio Grande do Norte
Natal, 31 de março de 2017.”

Povos Indígenas do RN ocupam a FUNAI, em protesto contra medida do governo

Mulheres de Pipa no 8 de março

protesto contra a violência de gênero e comemoração do dia da mulher na praça do pescador

Relatos de uma Cena Anarcopunk

https://www.youtube.com/watch?v=aYNWNXYHwQY

Treze (Tristes) Teses sobre o Turismo

Preâmbulo
As “13 (tristes) teses sobre o turismo” foram apresentadas no debate “Porto 20 anos depois: Processo de turistificação de uma cidade Património Mundial”, organizado pelo ICOMOS-Portugal no passado dia 25 de Novembro de 2016, no Ateneu Comercial do Porto. Elas devem ser lidas como pequenas provocações para pensar não tanto o turismo (como fenómeno isolado e particular), mas a própria “cidade na era do turismo”. A “cidade turística” como expressão ou forma particular de um novo modo de entender e conceber a cidade: a cidade na era do neoliberalismo, da economia neoliberal, a neoliberalização do espaço e do tempo, a precarização da vida urbana e das relações sociais e políticas. E isso com duas consequências fundamentais:
Primeiro: a erosão de uma certa ideia de espaço público (na fórmula: cidade, parque temático) – e, portanto, e em certo sentido uma apolitização/despolitização da polis.
Segundo: a subordinação de todos os tempos e espaços da vida quotidiana e da cidade a uma lógica de rendimento/lucro, a um puro valor de troca (cidade-uber/cidade-airbnb). Isto é: a precarização e monetização de todas as relações sociais e urbanas. Na cidade da era neoliberal todos são empreendedores e todos são precários: todos são emprecariadores.
E, por isso, estamos a discutir na verdade uma mudança de paradigma na forma de ver e entender a vida em cidade ou, melhor, um determinado tipo de co-existência em espaço urbano que se constrói agora a partir de pressupostos muito diferentes. A crítica do turismo deve ser antes de mais a possibilidade da crítica a esse modo particular de organizar a cidade, a vida quotidiana sob a égide do neoliberalismo.

1.
O turismo assenta num paradoxo: alimenta-se daquilo que destrói.

2.
A cidade já não é o entreposto por excelência de venda de mercadorias, mas é uma mercadoria a ser consumida entre outras. A cidade é, hoje, uma marca registada.

3.
O turismo não é apenas um “fenómeno” ou um “problema”, mas é um modo específico de relacionamento com o mundo e com as coisas na era da cidade como marca. O turismo é a novilíngua dessa cidade e o turista o seu novihabitante.

4.
Na era da cidade como marca a cidade transformou-se num espectáculo permanente, num recinto de entretenimento para uma pequena burguesia planetária que vê em qualquer vivência, por mais ínfima que seja, a oportunidade última de redimir a aridez e a tristeza da sua vida quotidiana.

5.
O turista é um coleccionador de vivências. Por isso ele marcha rapidamente e não tem tempo a perder. A sua ansiedade é directamente proporcional à quantidade de objectos e situações que tem de vivenciar, isto é, de consumir. O turista faz da própria vida um bem a ser consumido. E cada souvenir que transporta consigo é o signo Made in China da experiência que não cessa de procurar, mas jamais consegue

6.
O turismo é a vida no seu grau absoluto de separação. Turistas e habitantes percorrem uma cidade que já não conhecem. São seres expropriados da sua vida quotidiana remetida para o círculo do eterno retorno das grandes e homogéneas periferias. A sua relação perdida com a cidade (que é a relação perdida com a sua história), manifesta-se na parafernália de eventos que invadem diariamente os centros urbanos. E eles são um sucesso porque são a esquizo-possibilidade de uma sociabilização ausente na rede líquida do suburbano. São a nostalgia do comum vendida e vestida na forma da animação e do lazer.

7.
A cidade como marca é a forma concreta da cidade debaixo da economia neoliberal: aqui, todos os espaços e tempos da vida quotidiana e da cidade se transformam em potenciais fontes de rendimento e de lucro. Todas as relações sociais funcionam debaixo não de um valor de uso, mas de um valor de exposição e de troca. A hospitalidade já não é um atributo, mas um produto.

8.
A afinidade que une habitante e turista não é a hospitalidade – hospitalidade à la airbnb que funciona como o papel de embrulho que oculta uma relação puramente económica e dissimula uma máquina global financeira – mas uma secreta e mútua complacência. Aí onde a viagem se tornou impossível é também onde o quotidiano se tornou mais insuportável.

9.
A crítica do turismo não é sublimação das velhas identidades e tradições, nem a consumação de falsos passados para consumo vintage e gourmet. É preciso partir das más coisas novas e não das velhas coisas boas, dizia Brecht.

10.
A nossa relação de crítica com o turismo é a nossa relação de crítica com uma ideia de cidade e de quotidiano há muito em extinção. É a nossa relação crítica com uma ideia de política e de espaço, de espaço político, que está em decomposição.

11.
Não há crítica do turismo sem crítica do modo de organização do espaço e do tempo, dos corpos e das suas relações sociais, culturais, espaciais, afectivas e políticas debaixo do capitalismo. Não há crítica do turismo sem crítica de cidade e de quotidiano; crítica dos modos de coexistência e de vida em comum. Crítica política e económica do espaço e do tempo na cidade.

12.
Não há crítica do turismo sem a produção de uma outra ideia de cidade. Sem um outro modo de fabricar e de reinventar o espaço político do comum. Para além das velhas formas e de todas as novilínguas, para além da economia generalizada e pacificada da vida sob as condições do capitalismo neoliberal.

13.
A crítica do turismo ou é a reinvenção da cidade ou não é nada

Pedro Levi Bismarck
É editor do Jornal Punkto, Bolseiro da FCT e investigador do CEAU, actualmente a fazer doutoramento na FAUP onde é Assistente Convidado.

Imagens
1. João Abel Manta, Turistas, 1972.
2. Templo em Carnac, Egipto (Foto do autor).
3. Imagem da Marca “Porto.”
4. Porto Welcome Center. Quadro de eventos. Fotografia: ©ViajeComigo
5. Porto. D’Bandada, 2015. Fotografia: Porto lazer.
6. Turistas sentados numa mesa na Praça de São Marcos, durantes cheias em Veneza, em 2012. Foto: Associated Press.
7. Sarcelles, arredores de Paris.
8. Souvenir numa loja do Porto. Fotografia: Alamy stockphoto.
9. Publicidade no site Airbnb
10. Disco de Fernando João, Gosto do Povo e do Sol.
11. Claire Fontaine, PIGS, 2013
12. Claire Fontaine, Untitled (What is freedom?), 2012.
13. Projecto em Ponte guapo Isidoro, Sevilha, Recetas Urbanas, 2012.
14. Manifestação em Nápoles.

Ficha Técnica
Data de publicação: 18.01.2016
Etiquetas: Territórios \ Cidades

Treze (Tristes) Teses sobre o Turismo ▬▬ Pedro Levi Bismarck


Caderno \ Souvenirs de Porto

Preâmbulo
As “13 (tristes) teses sobre o turismo” foram apresentadas no debate “Porto 20 anos depois: Processo de turistificação de uma cidade Património Mundial”, organizado pelo ICOMOS-Portugal no passado dia 25 de Novembro de 2016, no Ateneu Comercial do Porto. Elas devem ser lidas como pequenas provocações para pensar não tanto o turismo (como fenómeno isolado e particular), mas a própria “cidade na era do turismo”. A “cidade turística” como expressão ou forma particular de um novo modo de entender e conceber a cidade: a cidade na era do neoliberalismo, da economia neoliberal, a neoliberalização do espaço e do tempo, a precarização da vida urbana e das relações sociais e políticas. E isso com duas consequências fundamentais:
Primeiro: a erosão de uma certa ideia de espaço público (na fórmula: cidade, parque temático) – e, portanto, e em certo sentido uma apolitização/despolitização da polis.
Segundo: a subordinação de todos os tempos e espaços da vida quotidiana e da cidade a uma lógica de rendimento/lucro, a um puro valor de troca (cidade-uber/cidade-airbnb). Isto é: a precarização e monetização de todas as relações sociais e urbanas. Na cidade da era neoliberal todos são empreendedores e todos são precários: todos são emprecariadores.
E, por isso, estamos a discutir na verdade uma mudança de paradigma na forma de ver e entender a vida em cidade ou, melhor, um determinado tipo de co-existência em espaço urbano que se constrói agora a partir de pressupostos muito diferentes. A crítica do turismo deve ser antes de mais a possibilidade da crítica a esse modo particular de organizar a cidade, a vida quotidiana sob a égide do neoliberalismo.


Caderno \ Souvenirs de Porto

1.
O turismo assenta num paradoxo: alimenta-se daquilo que destrói.

2.
A cidade já não é o entreposto por excelência de venda de mercadorias, mas é uma mercadoria a ser consumida entre outras. A cidade é, hoje, uma marca registada.

3.
O turismo não é apenas um “fenómeno” ou um “problema”, mas é um modo específico de relacionamento com o mundo e com as coisas na era da cidade como marca. O turismo é a novilíngua dessa cidade e o turista o seu novihabitante.

4.
Na era da cidade como marca a cidade transformou-se num espectáculo permanente, num recinto de entretenimento para uma pequena burguesia planetária que vê em qualquer vivência, por mais ínfima que seja, a oportunidade última de redimir a aridez e a tristeza da sua vida quotidiana.

5.
O turista é um coleccionador de vivências. Por isso ele marcha rapidamente e não tem tempo a perder. A sua ansiedade é directamente proporcional à quantidade de objectos e situações que tem de vivenciar, isto é, de consumir. O turista faz da própria vida um bem a ser consumido. E cada souvenir que transporta consigo é o signo Made in China da experiência que não cessa de procurar, mas jamais consegue ter.

6.
O turismo é a vida no seu grau absoluto de separação. Turistas e habitantes percorrem uma cidade que já não conhecem. São seres expropriados da sua vida quotidiana remetida para o círculo do eterno retorno das grandes e homogéneas periferias. A sua relação perdida com a cidade (que é a relação perdida com a sua história), manifesta-se na parafernália de eventos que invadem diariamente os centros urbanos. E eles são um sucesso porque são a esquizo-possibilidade de uma sociabilização ausente na rede líquida do suburbano. São a nostalgia do comum vendida e vestida na forma da animação e do lazer.

7.
A cidade como marca é a forma concreta da cidade debaixo da economia neoliberal: aqui, todos os espaços e tempos da vida quotidiana e da cidade se transformam em potenciais fontes de rendimento e de lucro. Todas as relações sociais funcionam debaixo não de um valor de uso, mas de um valor de exposição e de troca. A hospitalidade já não é um atributo, mas um produto.

8.
A afinidade que une habitante e turista não é a hospitalidade – hospitalidade à la airbnb que funciona como o papel de embrulho que oculta uma relação puramente económica e dissimula uma máquina global financeira – mas uma secreta e mútua complacência. Aí onde a viagem se tornou impossível é também onde o quotidiano se tornou mais insuportável.

9.
A crítica do turismo não é sublimação das velhas identidades e tradições, nem a consumação de falsos passados para consumo vintage e gourmet. É preciso partir das más coisas novas e não das velhas coisas boas, dizia Brecht.

10.
A nossa relação de crítica com o turismo é a nossa relação de crítica com uma ideia de cidade e de quotidiano há muito em extinção. É a nossa relação crítica com uma ideia de política e de espaço, de espaço político, que está em decomposição.

11.
Não há crítica do turismo sem crítica do modo de organização do espaço e do tempo, dos corpos e das suas relações sociais, culturais, espaciais, afectivas e políticas debaixo do capitalismo. Não há crítica do turismo sem crítica de cidade e de quotidiano; crítica dos modos de coexistência e de vida em comum. Crítica política e económica do espaço e do tempo na cidade.

12.
Não há crítica do turismo sem a produção de uma outra ideia de cidade. Sem um outro modo de fabricar e de reinventar o espaço político do comum. Para além das velhas formas e de todas as novilínguas, para além da economia generalizada e pacificada da vida sob as condições do capitalismo neoliberal.

13.
A crítica do turismo ou é a reinvenção da cidade ou não é nada

Pedro Levi Bismarck
É editor do Jornal Punkto, Bolseiro da FCT e investigador do CEAU, actualmente a fazer doutoramento na FAUP onde é Assistente Convidado.

Imagens
1. João Abel Manta, Turistas, 1972.
2. Templo em Carnac, Egipto (Foto do autor).
3. Imagem da Marca “Porto.”
4. Porto Welcome Center. Quadro de eventos. Fotografia: ©ViajeComigo
5. Porto. D’Bandada, 2015. Fotografia: Porto lazer.
6. Turistas sentados numa mesa na Praça de São Marcos, durantes cheias em Veneza, em 2012. Foto: Associated Press.
7. Sarcelles, arredores de Paris.
8. Souvenir numa loja do Porto. Fotografia: Alamy stockphoto.
9. Publicidade no site Airbnb
10. Disco de Fernando João, Gosto do Povo e do Sol.
11. Claire Fontaine, PIGS, 2013
12. Claire Fontaine, Untitled (What is freedom?), 2012.
13. Projecto em Ponte guapo Isidoro, Sevilha, Recetas Urbanas, 2012.
14. Manifestação em Nápoles.

Ficha Técnica
Data de publicação: 18.01.2016
Etiquetas: Territórios \ Cidades

No RN, empresa invade terras onde índios plantam próprio alimento

Terras estão em processo de demarcação pela Funai.
Justiça Federal deu prazo de 72 h para empresa desocupar o local.

Empresa invade terras onde índios potiguara plantam para comer (Foto: Clayton Carvalho/Inter TV Cabugi)
Plantações de banana, milho e macaxeira foram destruídas (Foto: Clayton Carvalho/Inter TV Cabugi)

Uma empresa de cana-de-açúcar invadiu as terras onde índios da aldeia Sagi-Trabanda cultivam alimentos para seu sustento. Segundo os índios da etnia potiguara, as plantações foram destruídas e a área, cercada. A terra, conhecida como Paús, fica em Baía Formosa, no Litoral Sul potiguar. Ela está em processo de demarcação pela Funai e, segundo a OAB, pertence aos índios.

Além de pés de banana, cortados a facão, foram destruídas plantações de milho, macaxeira, jerimum e feijão. Frutas, muitas quase no ponto de colheita, foram perdidas.

O índio João dos Santos é agricultor e conta como foi ver a plantação destruída: “Senti uma tristeza muito grande, não aguentei, comecei a chorar, porque, com certeza, ia faltar macaxeira, banana pra minha filha poder, de manhã, comer com leite e ir pro colégio.”

A plantação destruída era cultivada por seis das 23 famílias da comunidade. Agora sem área para plantar, eles não sabem o que fazer para garantir o sustento dos filhos.

“A gente chega aqui e vê tudo destruído, sem poder fazer nada, pra tirar o alimento das famílias. Quando chegamos aqui pra ver, nosso parceiro não aguentou não, começou a chorar”, conta Isaías da Silva, que também é agricultor.
Empresa invade terras onde índios potiguara plantam para comer (Foto: Clayton Carvalho/Inter TV Cabugi)
Direito dos índios ao Paús é reconhecido pela OAB

(Foto: Clayton Carvalho/Inter TV Cabugi)

Terras estavam para ser demarcadas
Segundo o cacique da tribo, Manoel Nascimento, a invasão e os estragos foram provocados por uma empresa de beneficiamento de cana-de-açúcar que fica próxima da área indígena. Ele diz ainda que isso nunca tinha acontecido e estranha o fato de acontecer agora, quando a aldeia passa por um estudo da Funai para a demarcação das terras onde os antepassados já estavam há mais de 160 anos.

“É uma área indígena que já é ocupada há muitos e muitos anos. Toda a vida trabalhamos aqui, a usina tem conhecimento desse fato. Quando a usina comprou, a gente já vivia aqui há muitos anos”, relata Manoel.

O que não foi destruído foi cercado pela empresa, o que impede o acesso da comunidade indígena às plantações que ainda estão de pé. O caso é acompanhado pela Comissão de Direitos Humanos da OAB/RN. Segundo o presidente da Comissão, Djamiro Acipreste, a Funai já acionou a Advocacia Geral da União, que entrou com ação na Justiça Federal pedindo a reintegração de posse da área.

Possível conflito
“Essas áreas, além de destruídas, foram cercadas, e existem pessoas armadas fazendo a defesa. Não é fácil saber o que vai acontecer, podemos ter uma tragédia, e é extremamente importante que a sociedade potiguar tenha a sensibilidade de enxergar o que ocorre, e que nós possamos dar resposta imediata para garantir, em primeiro lugar, o acesso do índio às suas terras e, em segundo lugar, que eles sejam respeitados.”

Segundo Djamiro, contam com o Paús 562 índios e 26 famílias, cuja subsistência depende totalmente da agricultura e a pesca. Desde 2015, a Funai se organiza para fazer os estudos cartográficos e antropológicos que são base de uma ação para demarcação de terra indígena.

Usina reivindica terras
Em nota, a empresa afirmou que é a dona do Paús e que está tudo regularizado em cartório. Disse ainda que não há reconhecimento do poder público de que a área em questão seja indígena. A reportagem também entrou em contato com a Funai, que não respondeu até a publicação desta matéria.

Sobre a polêmica, a juíza da Quinta Vara Federal, Moniky Mayara Costa Fonseca, concedeu liminar em favor da tribo. Na decisão, a magistrada dá um prazo de 72 h pra que a usina retire as cercas e outros obstáculos na área, permitindo acesso livre aos índios. A liminar ainda prevê multa de R$ 1 mil para cada réu em caso de descumprimento.

Empresa invade terras onde índios potiguara plantam para comer (Foto: Clayton Carvalho/Inter TV Cabugi)
562 índios dependem das terras para agricultura (Foto: Clayton Carvalho/Inter TV Cabugi)

http://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2016/12/no-rn-empresa-invade-terras-onde-indios-plantam-proprio-alimento.html

PermaOkupa UFRN

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Galera, todas convidadas a somar com os esforços das ocupações! Toda segunda o Mandala está na OcupaUFRN contribuindo com a gestão dos resíduos e agricultura urbana! Próxima segunda tem mais, 14h. Cheguem!

#EcopedagogiaMandala #OcupaUFRN #PermaculturaEmTemposdeCrise

Desde semana passada que o Grupo de Estudos em Permacultura do Mandala está acontecendo na OcupaUFRN, na Reitoria do campus central Natal. Em nosso primeiro encontro fizemos um diálogo sobre o que é Permacultura e sua importância pra garantir nossa sobrevivência, bem viver e autonomia na sociedade e no planeta e planejamos as possíveis ações. Sexta passada trouxemos bambus e mudas pra ocupação e hoje começamos os mutirões. Preparamos a composteira de resíduos orgânicos, a recicloteca (área de separação e gestão de resíduos reaproveitáveis e recicláveis) e a primeira horta Mandala de medicinais, chás, temperos e hortaliças. Nas próximas segundas continuamos com os mutirões. Tragam mudas, ferramentas, adubo e disposição pra trabalhar de forma colaborativa e autogestionada fortalecendo a ocupação e partilhando os saberes necessários pra transformar nossas vidas!

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Ecofeira da Pipa

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